Maracatu e Religiões
Comecei a escrever esta crónica dia 25 de maio de 2018, 25, dia de Maracatu e em homenagem singela ao José Arnauld Silvério que partiu recentemente para a viagem Eterna. Arnauld era de uma tranquilidade invejável e com um espírito conciliador que lhe permitiu enfrentar ambientes tensos durante os quais era necessário saber conter as emoções e sugerir soluções. Organizar carnavais é mais complexo do que se pode imaginar. Relembro-o com saudade. E que o seu espírito continue na tranquilidade!
A minha ligação aos maracatus de Fortaleza é bem conhecida. Comecei por ser observador, depois quis estudar a sua origem e a sua história e, rapidamente, entendi a que a melhor solução seria integrar um grupo e desfilar. Desfilei a primeira vez no carnaval de 2010 integrado no Maracatu Rei de Paus. Desfilei por três anos e por uma questão de saúde interrompi os desfiles pois dois anos. Mas não deixei de continuar a estudar os maracatus, tendo reunido uma bibliografia interessante sobre o assunto. O facto de ter desfilado na Corte, levou-me a não querer integrar outras alas e durante os três anos seguintes integrei o Afoxé Oxum Odolá.
Defumador
Noa minha busca do entendimento dos maracatus, desde cedo, percebi a influência religiosa ou espiritual que lhe estava associada. Nos afoxés é um preceito de origem: Festas profanas, de carácter público, nos terreiros do culto jeje-nagô segundo Câmara Cascudo. Simplesmente assumidos como uma festa de rua de terreiros. O que significa que a base de um afoxé seja, ou deveria ser, um terreiro. Mas no maracatu esse princípio está diluído. Melhor, o maracatu surge como repositório dos desfiles de coroação dos Reis do Congo, festividades que aos negros era permitido uma liberdade festiva. Possivelmente a invocação de divindades africanas seria uma forma de continuar a pedir auxílio para os seus cultos e para as suas saudades. Euforia festiva, mas, de forma discreta, invocação especial a Calunga sobre a qual já escrevi anteriormente: de reter a pacificação espiritual com os próximos que já partiram.
Calunga
Mas havia mais razões ou justificação para a ligação a outras religiões: celebração do culto a Nossa Senhora do Rosário ou a outros santos da Igreja católica sincretizados com Orixás. Vejamos a fundação dos quilombos kalunga, Cavalcante – Góias, fundado por negros libertados que trabalharam nas minas de ouro, que se associam para viver longe dos grandes centros receosos de novas perseguições.
Orixás
Mas para além da presença obrigatória da Calunga, todos os maracatus apresentam uma ala com Orixás e muitas vezes uma ala de Terreiro que representam bem a religião de Candomblé, religião afro-brasileira, como noutros países da américa Latina e, por exemplo em Cuba, religião idêntica chamada de Santeria.
Ala de Terreiro
Recentemente tenho vindo a assistir à incorporação de outras religiões como Umbanda, também espírita de feição luso-brasileira. Não me espanta com a integração cada vez maior de representações da Igreja Católica como com a presença de anjos e variados santos negros em particular. Assumamos que é uma presença festiva de várias entidades superiores que deveriam coexistir e contribuírem, em conjunto, para a paz no mundo, e o bem-estar coletivo.
Nossa Senhora Aparecida
Nossa Senhora da Conceição? Iemanjá?
Entidades de Umbanda em Ala de Terreiro
Anjos e Crucifixo, Senhor do Bonfim? Oxalá?
Culto Indiano
Igreja Católica
Sabedoria de Mãe de Santo
Saudemos Arnauld, e continuemos com o respeito pela Fé de cada um. E que essa diferença não seja pretexto para alguns males ou desentendimentos. E celebremos a festa com Paz!
Manifesto pela Paz
© Virgílio Nogueiro Gomes