Capela Vista Alegre

 

 

 

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É surpreendente a dimensão do edifício, Capela Vista Alegre, quando se chega ao largo do Lugar da Vista Alegre, que nos apetece chamar-lhe de igreja. Olhando para a sua fachada vemos um edifício mais baixo à sua esquerda que foi o palácio do bispo D. Manuel de Moura Manuel (1632-1699) e que, atualmente, é parte do Hotel Vista Alegre onde pernoitei recentemente. Do palácio há uma ligação interna à capela que ainda hoje pode ser observada.

Se a imponência da fachada chama a atenção, quando entro e me apercebi que esse bispo foi o 18.º de Miranda do Douro, a minha curiosidade disparou e não descansei enquanto não conheci a biografia de tal personagem que dirigiu a minha diocese ainda sediada em Miranda do Douro, e só mais parte passou para Bragança cuja designação mantém de Bragança e Miranda (1770). Para conhecer a biografia do 18º bispo socorri-me de duas fontes principais: “Bragança e Miranda”, volume II da autoria de Monsenhor José de Castro (1886-1966), edição de 1947, e “Memórias Arqueológicas-Históricas do Distrito de Bragança”, volume II da autoria de Francisco Manuel Alves (1865-1947), Abade de Baçal, edição de 1982.

 

 

 

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Detalhe da fachada com escultura de Nossa Senhoa da Penha de França

 

A capela é dedicada a Nossa Senhora da Penha de França cuja imagem, em bela escultura em pedra, se destaca na fachada. Não é de estranhar a capela ser dedicada a Nossa Senhora da Penha de França, dada a origem dos antepassados de D. Manuel. A veneração iniciou-se em Espanha, século XV, depois de a Senhora ter aparecido a Simão Vale, monge de origem francesa, na região de Salamanca. Simão Vale faleceu em 1438 e depois o culto foi muito ampliado e, D. João II de Castela aí foi em peregrinação de agradecimentos em 1445. Celebra-se a 8 de setembro dia que se celebra também a Natividade de Nossa Senhora.

D. Manuel nasceu em Serpa a 21 de março de 1632 conforme escrito por Frei Francisco de Sousa, conventual de S. Bento de Aviz e prior da igreja de S. Salvador de Serpa. Mas é o próprio D. Manuel que, em carta ao Papa Inocêncio XII, descreve os seus ilustres antepassados da prosápia mais ilustre das Espanhas, descendente por linha paterna de Dom Pedro Rodrigues de Gusmão, conquistador da vila de moura em Portugal, neto de Dom Féliz de Gusmão que foi irmão do patriarca São Domingos, descendente de Flávio Gundemar o rei dos godos. E, pela materna, neto sétimo de Dom João Manuel, pai de D. Constança Manuel, rainha de Portugal que foi casada com o Sereníssimo Rei Dom Pedro I de Portugal e com o católico rei Dom Fernando de Castela e Leão. Vem o Abade de Baçal acrescentar que O nobre apelido de Manuel procede de Dom João Manuel, bispo de Ceuta e da Guarda que era filho natural de El-Rei Dom Duarte. Seu pai era senhor do morgado da Costa Serrão e comendador de Santa Luzia de Trancoso da Ordem de Cristo, e seu avô materno Dom Rodrigo Manuel, comendador das Alcáçovas e capitão de Chaul. Origens não lhe faltavam.

 

 

 

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Altar-mor

 

A sua formação foi na Universidade de Coimbra na qual se doutorou. A sua carreira de prestígio e logo após ter recebido o capelo da Universidade, 1659, foi provido a cónego de Lamego e Braga. Serviu a Inquisição durante 28 anos, em Évora como deputado, 1660, em Coimbra como inquisidor e presidente, 1666, tendo subido a Ministro do conselho geral da Inquisição no tribunal da corte de Lisboa e conselheiro do Sereníssimo Rei de Portugal, sendo depois reitor da Universidade de Coimbra, 1685, de onde saiu para assumir o bispado de Miranda do Douro, 1690. Em 1697 pede uma licença ao papa,não podendo fazer a visita ad limina por ter sido acometido de doença terrível que o pôs às portas da morte. Sabe-se que, para além do seu estado de saúde e o risco de viagens longínquas, haveria outra preocupação: a necessidade de dispor e assistir à fábrica de um sumptuosíssimo templo que, por voto, mandou fazer a Nossa Senhora sob a invocação da penha de França. Esta obra terá começado antes de assumir o bispado e com verbas vindas de bens patrimoniais e rendas de cargos anteriores a essa nomeação. Sabe-se também que D. Manuel tinha um gosto delicado por obras de arte que levou, no século XX, o Professor Ayres de Carvalho a fazer um estudo sobre as encomendas de obras de grande valor artístico. Ora, o suntuosíssimo templo era a famosa Capela Vista Alegre.

 

 

 

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Altar lateral

 

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Outro Altar lateral

Em 1696 recolheu-se o bispo na sua quinta da Vista Alegre, no palácio a partir do qual se construiu o atual e luxuoso hotel da Vista Alegre. Nesse mesmo ano mandou contruir uma fonte chamada do Carapichel e numa pedra de grande dimensões uma inscrição em letra gótica toda em verso e que se pode ler pois está transcrita, por Abade de Baçal, no II volume das Memórias Arqueológico-Históricas do Distrito de Bragança. Mas a saúde do bispo parecia não melhorar. A sua atividade pastoral foi diminuindo tentando uma ida de Miranda para as Caldas de S. Pedro do Sul. A viagem foi interrompida em Ferreira das Aves a 30 km de Viseu dado o agravamento do seu estado de saúde. É o bispo de Viseu que lhe dá os últimos sacramentos e falece a 7 de setembro de 1699, ficando sepultado provisoriamente na Igreja paroquial de Ferreira das Aves até que em 1706 é transladado para a ”sua” capela, em túmulo que tinha encomendado.

 

 

 

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O suntuoso túmulo do bispo D. Manuel

 

 

 

 

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Detalhe da zona central do túmulo

 

A Capela Vista Alegre dá nas vistas pela sua imponência. No seu interior somos surpreendidos por azulejos seiscentistas de Gabriel del Barco (1648?-1706?), frescos e pinturas murais alguns também atribuídos a Gabriel del Barco, vários retábulos em mármore entalhado, talha barroco dourada e o grande elemento que nos chama a atenção é o túmulo do bispo D. Manuel, em pedra de Ançã da autoria de Claude Laprade (1675-1738). Podem observar-se no templo várias representações do brasão de D. Manuel e, curiosamente encontra-se pintado do teto da sacristia mas de forma invertida. A sacristia acompanha a riqueza decorativa de todo o templo. A Capela Vista Alegre foi classificada como Monumento Nacional em 1910.

As razões desta crónica, que parece distanciar-se da maioria das crónicas que coloco neste site, são duas: primeiro a importância das louças Vista Alegre na restauração portuguesa e também a presença quase obrigatória de objetos de mesa nos domicílios, e ainda a curiosidade de ser um bispo da minha diocese que deu origem à marca Vista Alegre, originariamente o nome da quinta.

A Capela Vista Alegre está aberta para visitas diariamente.

Mais fotos:

 

 

 

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Detalhe do Altar-mor com dois brasões do bispo D. Manuel

 

 

 

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Brasão em azulejos

 

 

 

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Sacristia

 

 

 

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Brasão pintado na sacristia

 

 

 

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Pintura no teto da sacristia com o brasão invertido

 

 

 

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Fonte de Carapichel

 

 

 

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Placa com inscrição em escrita gótica

 

 

 Lugar da Vista Alegre

 3830-292 Ílhavo

TL 234 320 628

 

© Virgílio Nogueiro Gomes