Azeite na Gastronomia Portuguesa

 

 

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Oliveira centenária do Convento do Espinheiro

Sólon, ilustre estadista, legislador e poeta grego antigo, século VI A.C., escreveu que A azeitona é a melhor cura para qualquer problema na vida, e ainda preconizou a pena de morte para quem assassinasse uma árvore.

Dia 28 de novembro fiz uma palestra a convite da Casa do Azeite para celebração do Dia Mundial do Azeite e que tentarei aqui reproduzir, dada a importância que o azeite e as azeitonas representam na alimentação portuguesa.

Não adianta rebuscar definições mais simples do que chamar ao azeite sumo puro de azeitonas. No entanto encontrar definições nos especialistas dá-nos outro conforto: Líquido oleoso extraído da azeitona que vai do amarelo ao verde, segundo as origens, utilizado na alimentação, indústria farmacêutica e cosmética, iluminação, lubrificação, etc. Eis a transcrição de António Manuel Monteiro no seu imperdível livro “Palavras do Olival”. Não pensemos, também, que é tão redutora a transformação da azeitona, nem tão dramático o seu percurso, quando ainda lembramos a lengalenga Verde foi meu nascimento e de luto me vesti. Para dar luz ao Mundo, mil tormentos padeci. Fácil de aprender e fácil para explicar!

 

 

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Azeitonas no couvert com pão no saco

Mas a azeitona enquanto fruto continua a ser um elemento encantador, indispensável na mesa portuguesa. A azeitona dá origem a um dos produtos da trilogia da alimentação mediterrânica, o azeite, ao lado dos cereais para a produção de pão e da uva para o vinho. E o azeite é tão importante para a fixação geográfica daquela alimentação que se costuma dizer que a alimentação mediterrânica termina onde existe a última plantação de olival.

Desde sempre que o azeite é referência na escrita. E em especial na Antiguidade Clássica desde Homero que o cita na “Ilíada” e na “Odisseia” a Tito Lívio na “História de Roma”. Ou no Antigo Egito quando Ramsés III oferecia oliveiras ao deus Rá “para que o seu azeite, símbolo de vida e de eternidade, possa guardar vivas as lâmpadas do seu santuário”. Parece que a oliveira se transformou, na Grécia Antiga, em árvore nacional desde que Atena a fez nascer, suplantando assim Posêidon na disputa pela posse de Ática. Em simultâneo o azeite transforma-se em elemento fundamental no culto àquela deusa. Tito Lívio escreve que Aníbal utilizava a qualidade calórica do azeite que era aproveitada para massajar os seus militares para os aquecer e dar força. Ainda hoje o azeite e as oliveiras são alvo de escrita contemporânea como escreveu Sylvie Briet acerca da oliveira: No seu tronco torturado lê-se a história do mediterrâneo.

 

 

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Azeitonas temperadas

Mas o azeite, que todos reconhecem as vantagens na culinária, também é um elemento importante para outras áreas. Antigamente servia para massajar os corpos de atletas de alta competição, na Antiga Grécia e no Império Romano, também utilizado para outras competências associadas às terapias da pele. E as vantagens para a saúde? Nos anos 60 e 70 fomos quase compelidos a abandonar o azeite em favor de outros óleos vegetais. Até por razões clínicas! Abandonou-se algum cuidado com os olivais e agora as sociedades científicas voltam a recomendar o consumo de azeite, pela nossa saúde. E quantos poemas não foram escritos à luz de candeeiros de azeite? E depois ainda o ramo da oliveira como símbolo da Paz!

 

 

 

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Azeite no couvert

É inquestionável a importância do azeite para a cozinha portuguesa, em todas as fases de uma refeição. Aliás presença obrigatória em qualquer despensa portuguesa. Não se imagina fazer um refogado, estrugido, sem azeite! Em Trás-os-Montes ainda se diz que comer sem azeite é comer miudinho, especialmente a partir do século XIX, depois de abandonar o consumo de azeite para iluminação e que logo se arranjou modo de intensificar o uso na cozinha, quer na mesa do camponês, quer na mesa do burguês.

 

 

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Azeite

Atualmente é muito fácil comprar azeite de acordo com a função que lhe queremos dar. Azeite Virgem Extra, o fino, para regar ou consumir em cru. Azeite virgem para fazer molhos frios ou confeções com pouca exposição a altas temperaturas. Azeite, é um produto de azeite refinado e enriquecido com azeite virgem extra, destinado a entrar em confeções que podem atingir altas temperaturas. Em termos domésticos o azeite é ideal para conservar queijos que enrijaram e as pontas de enchidos que darão uns azeites com sabor.

Se hoje em dia, já todos habituados a fazer refeições fora de casa, no cansado couvert quase sempre veem azeitonas, e mais recentemente azeite por vezes afetado pela praga do vinagre balsâmico, que é bom, mas não serve para tudo ou para todas as sugestões à mesa, há quem sirva bom azeite e boas azeitonas. Sobre os galheteiros não irei escrever, correndo o risco de poder apoiar alguma posição que ainda se discuta a sua legalidade.

 

 

 

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O brilho do Azeite

Na minha terra continuam-se a fazer Alcaparras Transmontanas, azeitonas verdes curtidas em água depois de se lhes extrair o caroço. Mas nas sopas, para as quais em minha casa havia 2 qualidades de azeite, muitas vezes usa-se o azeite no início da preparação e guarda-se para terminar, o azeite fino, agora virgem extra, para lhe dar um toque final. E o caldo verde é possivelmente um dos melhores exemplos, ao lado de uma sopa de cogumelos ou uma sopa de abóbora, e obrigatoriamente numa sopa de cascas, ou casulas, ou num caldo de berças afidalgado, como também é importante numa sopa de beldroegas, ou de espargos bravos. Ainda em matéria de início de refeição não esqueçamos os nossos petiscos e com tantas saladinhas cujo molho passa por uma solução simples de mistura de azeite com vinagre. Artista final também é o azeite nas famosas sopas de tchis, ou nas sopas rijadas.

 

 

 

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Ameijoas à Bulhão Pato

No grupo dos peixes e mariscos, ainda é mais delicada, ou sensível, a utilização do azeite mas sempre obrigatória. Nas caldeiradas, a partir de um refogado, ou colocando tudo em cru, o azeite é fundamental, como o é quando queremos fazer suar legumes para várias preparações delicadas como a lagosta suada à moda de Peniche. Ainda nos mariscos as amêijoas à Bulhão Pato, possivelmente uma das mais elegantes receitas portuguesas, a qualidade e função do azeite é de extrema importância. Para já não falar do peixe cozido, e até grelhado, o azeite termina a composição do prato.

 

 

 

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Preparação da lagosta Suada de Peniche

Mas há um peixe que parece ter nascido para ser acompanhado, obrigatoriamente, pelo azeite que é o bacalhau. Bacalhau de todas as formas e feitios, à Brás, à Gomes de Sá, à Lagareiro, à Lagareira até ao sofisticado Bacalhau Espiritual, lá está o azeite. E ainda há outra receita, como é o bacalhau à Zé do Pipo, que para além a primeira fase da confeção onde entra o azeite, a sua finalização, cobrindo-o com molho de maionese dá-lhe uma dupla importância. O molho de maionese é um produto à escala mundial, feito com azeite e gema de ovo. E já que falamos em molho, o de escabeche precisa também de azeite, na sua confeção. E ainda nas várias receitas de bacalhau à Bruxa que também nunca falta azeite, mesmo para aqueles que não acreditam nas bruxas.

E nos moluscos, polvo, lulas e choco, não há receita que não tenha azeite!

 

 

 

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Polvo com azeite

Mas se passarmos às carnes e caça, o papel do azeite está lá, com dimensão semelhante. O azeite está presente naquilo a que agora chamam de street Food, nas bifanas e couratos. Mas também em todos os assados, caldeiradas de cabrito ou ensopados de borrego, e a grande variedade de enchidos, até aos azedos nos quais o azeite tem uma função específica para a fumagem do enchido, e do seu sabor.

 

 

 

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Cabrito assado com azeite

Mais curiosa e delicada é a utilização do azeite em saladas: de azedas, de meruges, de maçãs e agriões, de beldroegas, de fiolho ou de nozes fritas, ou simples de alface, de tomate, de feijão-verde ou de cebolas com sal grosso.

 

 

 

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Mousse de chocolate com azeite

Mas o azeite também é importante nos doces e sobremesas. Já os nossos antepassados perceberam que o azeite garante perenidade aos doces. Por isso o encontramos em alguns doces populares como os económicos, dormidos ou algumas broas. Com o azeite também se fazem os famosos biscoitos azeiteiros ou azeitados, bolo podre, bolos bicados e os delicados pudins de azeite. O azeite garante também uma fritura delicada aos bolinhos de arroz, ou sete no papo, e ainda se fazem compotas de alcaparras, e azeitonas doces. Nem sempre assumidas como sobremesa, as laranjas azeitadas, que inicialmente seria merenda do meio-dia no campo com pão e azeitonas, aproveitadas estas que caíam no chão, passaram mais tarde a ser laranjas dos fidalgos, salpicadas com alho picado e regadas com azeite fino. Passaram a acompanhar carnes assadas ou à sobremesa acompanhada por uma compota de azeitonas… A pequenada também aprendeu a comer as laranjas azeitadas mas, em vez do alho picado, cobriam-se com açúcar amarelo… e assim, ninguém fica com boca de pobre ou de lacaio!

 

 

 

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Laranjas com azeite, e pudim

Não haverá boas despensas que não tenham pelo menos três variedades de azeite. Usem azeite pela vossa saúde! E pelo prazer do paladar.

© Virgílio Nogueiro Gomes