Pastéis de toucinho
Na senda dos doces que conheci em criança, e revivo! Claro com a cumplicidade da minha irmã Lina que continua com paciência para me satisfazer os apetites. Mas mais felizes parecem os netos dela que fazem jus à qualidade da confeção e os fazem desaparecer em poucos minutos. Vou escrever sobre mais uma receita do caderno de minha Mãe.
Temos pelo país uma variedade considerável de pastéis de toucinho. E assim se chamam porque um dos ingredientes obrigatórios é exatamente o toucinho, contrariamente ao toucinho-do-céu, em todas as suas variedades, que não leva toucinho. O pastel mais famoso que leva toucinho é “Cristas de Galo” de Vila Real e tem uma forma diferente. E mesmo este, na sua terra natal, é conhecido também por pastel de toucinho e, erradamente, por pastel de toucinho-do-céu. Curiosamente a sua história e receita seria cantada em feiras e que terminava com a seguinte quadra:
O nome toucinho-do-céu
tem a sua explicação:
toucinho pelo ingrediente,
do céu pela satisfação.
O toucinho entra como ingrediente em outros doces e, possivelmente, o mais conhecido é o Pudim Abade de Priscos. Sabemos que na região do Douro, em casas ricas, haveria já outros pudins nos quais também entrava o toucinho com ingrediente.
Vejamos a forma de confecionar os pastéis de toucinho que estão nas fotos e cuja receita se encontra no caderno de minha Mãe, e a caixa com que se fazem é de massa tenra. Põem-se 550 gramas de açúcar num tacho com um pouco de água até atingir o ponto de pasta. Mistura-se, à calda de açúcar, 250 gramas de toucinho sem sal depois de picado na máquina ou bem desfeito no almofariz, e 250 gramas de amêndoa pelada e passada pela máquina, e deixa-se levantar fervura. Retira-se do lume e deixa-se arrefecer. Juntam-se agora 12 gemas batidas e volta ao lume para engrossa, polvilha-se com canela e deixa-se arrefecer. Forram-se forminhas de queques com massa tenra, deita-se o preparado e vão a forno bem quente durante 15 minutos. Prontos para os sentidos da gula!
Agora vejamos como é feita a massa tenra. Existem muitas receitas para esta massa e muitas vezes não dão a receita pelos segredos com que é confecionada. A massa tenra poderá ter variantes na sua preparação pois é uma massa que se pode fritar ou cozer no forno. Também do caderno de minha Mãe, e com a anotação que a receita é da minha Tia Berta. Era hábito as mulher da mesma família partilharem as receitas. Tia Berta era casada com o meu Tio António, irmão mais velho de minha Mãe e atualmente todos falecidos. Amassam-se 10 colheres de margarina derretida com 12 colheres de sopa de água quente, 1 ovo batido, 1 colher de chá de sal e farinha a precisa. Ora aqui está o que muita gente pensa ser o segredo! A farinha ia-se juntando até se sentir que a massa tem a elasticidade e consistência boa para ser estendida, e depois recortada para forrar as formas. É vulgar, especialmente em relação à farinha, esta expressão a precisa, ou a que necessitar. Isto significa que os cadernos seriam uma ajuda de memória para quem já sabe reconhecer o ponto de acabamento de uma massa ou de um creme. Nesta receita foram usada cerca de 200 gramas de farinha peneirada à medida que se ia adicionando para garantir que não se formam grumos. Pronto, aqui está. Agora é só ir para a cozinha. Esta receita foi confecionada para um lanche de aniversário e devo confessar que foi a primeira confeção a esgotar-se. Além de o doce nunca amargar, quando se prova apetece repetir!
Esta receita poderia ser vista como pertencendo uma matriz conventual. Mas não se lhe pode chamar conventual sem conhecer a sua origem. Sabemos que após a extinção das ordens religiosas em 1834, muitas receitas saíram dos conventos ou quem saiu deles saberia confecionar sem ter o rigor da invenção da receita.
© Virgílio Nogueiro Gomes