Polvo e outros Moluscos

 

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Polvo cru à venda no mercado

A imagem de um polvo tem qualquer coisa de fantasmagórico. Lembra aventuras nas profundezas do mar, e sempre com um aspeto dominador. Talvez por isso haja expressões populares associadas ao polvo pelos seus vários braços e ramificações.

A tradição de comer polvo fixou-se, inicialmente, em zonas longe do litoral pela facilidade de conservação. O polvo era seco e, depois, quando necessário ao consumo, era mergulhado em água por umas horas, antes de ser confecionado. Talvez por isso vamos encontrar ainda hoje uma receita de polvo guisado em Mirando da Douro. Mas associado ao polvo estão as várias “pistas” para ser cozido e ficar tenro. Há quem afirme que a introdução de rolhas de cortiça na água de cozedura resolvem a questão, como há outros que batem o polvo várias vezes, outros que colocam casca de cebola, e os mais modernos que consideram a panela de pressão o instrumento maravilha. Ou o método de cozedura lenta a temperatura baixa. E a tradição de cozer ovos inteiros para alegrar a mesa pela cor rosada que apresentam no fim da cozedura.

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Polvo cozido e regado com azeite

Possivelmente, as formas mais comuns de confecionar o polvo passam por cozê-lo ou grelhá-lo. Depois há o polvo guisado e com duas receitas especiais em Miranda e nos Açores. No Minho há também uma tradição de o confecionar guisado. Vejamos a diferença entre estes três guisados.

 

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Polvo à lagareiro

Em Miranda do Douro, primeiro o polvo é cozido e depois é que vai guisar numa cebolada com vinho branco, tomate, alho, piripiri, a calda de cozer o polvo e depois de ferver é que se junta o polvo cortado em pedaços. Antes de servir polvilha-se com salsa picada e acompanha com arroz branco. No Minho o processo é idêntico exceto que o polvo quando vai cozer, cozedura ligeira, vai já cortado. Nos Açores a receita varia um pouco pela variedade de produtos aplicados. Na Ilha do Faial para além do azeite também se usa banha de porco, massa de pimenta picante, pimenta em grão e pimenta-da-jamaica, vinho branco, vinho do Porto e vinho tinto. Na Ilha de São Miguel, de vinho apenas usa vinho tinto local, de cheiro, e tem a curiosidade de juntar batatas que cozem com o polvo. Há zonas na Ilha que não juntam batatas e então acompanha-se com arroz branco. Hoje há uma distribuição de polvo não se podendo esquecer a qualidade do polvo algarvio e também o da zona de Cascais.

 

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Lulas cruas no mercado

Outros moluscos tradicionais em Portugal são as lulas. Elas são grelhadas, elas são guisadas e, especialmente, elas são recheadas. São de dimensão pequena exceto nos Açores que se encontram de maior dimensão. Sobre as grelhadas não vou escrever muito. A grande qualidade de quem está na grelha e saber o ponto certo para as retirar do lume. Devo confessar que, na minha memória, as melhores grelhadas que já comi eram preparadas em grelhadores de rua. E ainda bem que continuam apesar das restrições legais. Ainda ligado aos grelhadores há umas espetadas de lulas muitas vezes com pimentos, chouriças e camarões. Infelizmente quando usam camarões acontece que estes ficam excessivamente secos, muito cozinhados, o que desequilibra o prato. Se grelhadas, as lulas, serão a melhor forma de apreciar a sua frescura ou qualidade, em Portugal há uma forma especial de as confecionar que são recheadas.

 

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Lulas cheias, foto de © Adriana Freire

No Algarve as lulas recheadas recebem o nome de “Lulas Cheias” e ainda uma receita especial de “Lulas com Ferrado”. Para as lulas cheias o recheio é composto com os tentáculos das lulas, presunto picado e chouriço ou linguiça também picado. Faz-se um refogado com cebola e tomate ao qual se juntam os tentáculos, o presunto e o chouriço, que vai constituir o recheio dos sacos, que se fecham com um palito. Depois vão a estufar num refogado à base de cebola e tomate, e em fogo lento. Habitualmente acompanham com batatas fritas em palitos. Esta receita é da zona costeira de Olhão. Mas na zona montanheira e em especial em Monchique também se recheiam as lulas da mesma forma das anteriores sendo que o recheio é apenas com os tentáculos, presunto e arroz. As “Lulas de Ferrado”, são mais pequenas e tradicionalmente funcionam como petisco. As lulas têm que ser preparadas com muito cuidado e, ao serem limpas, conservar o saco de tinta. Picam-se os tentáculos para o recheio ao qual se junta a tinta, que lhe dá o nome. Um pouco por todo o país, e em especial nas zonas costeiras se recheiam as lulas. As variações são relativamente pequenas interferindo apenas as especificidades de cada chouriço, conforme a região. Também é hábito juntar miolo de mão no cheio para que este adquira outra consistência e também alguns verdes como a salsa e coentros. Com as lulas também se fazer caldeiradas, e com caril. Mas as lulas estão destinadas a um fim trágico. Após a cópula morrem o macho e a fêmea!

 

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Lulas recheadas

Falta-nos ainda o choco e os choquinhos. A dimensão destes moluscos também varia desde pequenos, médios e grandes. E o seu tamanho vai determinar o tipo de confeção a que serão destinados. Os chocos têm uma concha interna que conheci antes de conhecer os chocos. Quando era miúdo esta concha era utilizada para colocar na gaiola dos canários, e dizia-se que era para apararem os bicos. Os choquinhos, os mais pequenos, são habitualmente para preparar petiscos e no Algarve obtiveram uma designação geográfica. Mesmo assim encontramos uns “Choquinhos com Tinta” de Monte Gordo e Vila Real de Santo António cuja preparação começa por fazer uma papa com alho e pão fritos, e depois bem pisados no almofariz. Os choquinhos, depois de bem limpos e mantendo a tinta são colocado num tacho onde está o azeite de fritar o alho e o pão e ao qual já se tinha junto um pouco de colorau. Junta-se depois a papa e fica pronto quando o azeite tiver bem absorvido o pão. Mais para os lados de Olhão, também se fazem os choquinhos com tinta que se fritam em tacho coberto. Na zona de Vila do Bispo há uma tradição de confecionar uns chocos guisados que levam tomate, vinho branco e cravo-da-índia. Depois sempre temos a versão mais comum dos chocos grelhados, com tinta ou sem tinta.

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Chocos no mercado

Em Setúbal vamos encontrar uma especialidade local, e de grande consumo, que é o “Choco Frito” que é já um ícone da gastronomia local. Trata-se de tiras de saco de choco que depois de bem secas se passam por farinha e fritam em azeite e banha bem quentes. Para servir junta-se limão para espremer. Tanto podem servir de petisco como com arrozes compostos para fazer de prato principal. Mas ainda em Setúbal encontramos uma forma de confecionar os famosos “Chocos à Setubalense”. Depois de limpar bem os chocos e cortados em pequenos pedaços, juntam-se alhos esmagados e vão para um tacho com azeite. Quando começar a “estalar” junta-se vinho branco, piripiri e colorau. Deixa-se ao lume até o molho reduzir. Servem-se enfeitados com rodelas de ovo cozido.

E foi uma viagem ao mundo dos moluscos cefalópodes que poderá acompanhar, e saberão melhor, com um bom vinho ou uma refrescante cerveja.

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

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A tradicional salada de polvo

Crónica inicialmente publicada no livro "Tratado do Petisco"