Mariscos

 

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Vieira

Os mariscos abrem o apetite e, erradamente, faz pensar em preços caros ou refeições elitistas. O marisco, como o peixe, deve ser cozinhado o menos possível. Mesmo assim não deixa de haver um público entusiasta de marisco muito cozinhado e coberto de molhos, e depois até gratinar. Eu não entendo onde fica o subtil gosto do marisco. Pois eu gosto do marisco, além de algum cru, apenas com uma leve cozedura sentindo-se ainda o seu suco e não ficando a parecer pastilha elástica.

Não sei se é correto classificar o marisco em nobre e em popular. Todo ele tem que evidenciar frescura, e um quase cheiro o mar. Antigamente havia certos bivalves que não se comiam em meses que não tivessem r na sua designação. Quer dizer que se comia de Setembro até Abril. Parece agora confirmar-se que são os meses durante os quais esse marisco tem melhor gosto.

 

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Ameijoas à Bulhão Pato

A amêijoa, nas suas variadas categorias, é possivelmente o bivalve mais consumido. E tem para mim, a receita mais interessante de mariscos que é a “Ameijoas à Bulhão Pato”. Contrariamente ao que muitos afirmam, e outros escrevem, não foi o Bulhão Pato que criou esta receita mas sim um cozinheiro que a criou em homenagem ao Bulhão Pato. Muito embora as amêijoas viessem da outra margem do Tejo, de Porto Brandão, foi no Restaurante “Estrela de Oiro” na rua da Prata que esta receita terá sido criada e a partir daí se divulgou e celebrizou. A receita é simples. Para um tacho com um pouco de azeite deitam-se alho picado e quando alourar juntam-se as amêijoas e coentros finamente picados. Mal estejam as amêijoas abertas regam-se com sumo de limão e servem-se. As amêijoas são também muito boas quando abertas a vapor, ou num tacho. Mal estejam abertas é servir de imediato e não se deve deixar ficar a cozinhar. Do Algarve vem o hábito de também abrir, ou confecionar as amêijoas na cataplana. Este utensílio prático e vistoso dá-lhes um sabor especial por cozer em espaço fechado. Estas confeções também se aplicam para cadelinhas e conquilhas. E fácil encontrar para as cadelinhas e as conquilhas, a versão em canja ou a comporem um xerém (creme com farinha de milho, típico no Algarve).

 

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Mexilhões no tacho

O mexilhão tem mais variantes de confeção, muitas vezes abertos em tacho onde se encontra um refogado ligeiro com cebola e tomate e por vezes com pimentos também. Uma receita de Aveiro, que é muito diferente, pois trata-se de fazer espetadas de mexilhões, que depois se frita e mergulham-se num molho, espécie de escabeche, onde ficam durante dois ou três dias. O nosso mexilhão tem um sabor tão bom que é pena não o valorizamos tanto quanto outros países, como a Bélgica.

O berbigão raramente tem espaço sozinho. Exceção para algumas zonas do litoral, onde é aberto como as amêijoas. O berbigão entra em sopas, recheia rissóis e complementa arrozes.

 

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Navalhas

As navalhas, ou lingueirão, marcam presença na costa alentejana e no Algarve, respetivamente. Aliás o nome utilizado revela-nos a sua origem geográfica. O Algarve o lingueirão tem utilizações variadas mas especialmente em sopas e em arrozes. Também se abre ao natural, forma mais utilizada na costa alentejana que, em grelha ou chapa, se colocam as navalhas até abrirem e depois polvilham-se com coentros picados e espreme-se limão. Tão simples e tão bom.

 

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Ouriços do mar

Recentemente, e graças a uma nova vaga de cozinheiros, começaram a marcar presença os ouriços-do-mar, servidos simples e habitualmente servidos sobre gelo. Não sendo uma tradição alimentar o seu surgimento veio abrir o leque de produtos da nossa costa e mal aproveitados.

Os percebes são um crustáceo com grandes apreciadores. Apesar de recentemente terem surgido um receituário novo, parece-me que a maioria dos percebes são consumidos “ao natural”, quer dizer, após uma breve fervura em água (salgada do mar, dizem alguns entendidos) apenas temperada com alho e louro. Depois da fervura arrefecem e são assim servidos. Os percebes são, possivelmente, o marisco de menor consumo. A sua difícil apanha, sobre as rochas onde se fixam obriga a um trabalho de horários seguindo as marés. Constituído pela unha, constituída por várias placas calcárias que contém o corpo dos percebes, e depois um pedúnculo, flexível, que garante a fixação às rochas.

 

 

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Lapas

Agarradas às rochas também se encontram as lapas dos Açores. Muitas vezes abertas sobre uma chapa, e apenas regadas com sumo de limão, tem uma receita “com Molho Afonso”, que consiste em colocar num tacho azeite e cebola sem refogar, junta-se salsa picada, pimenta vermelha e pimenta. Não se deve juntar sal sem provar na fase final pelo sal que as lapas já trazem. Juntam-se as lapas e abana-se o tacho, sem mexer. Estão prontas. Se cozem demais ficam rijas. Também se faz arroz com as lapas sendo que estas só devem juntar-se no final para não cozerem em excesso.

E chegam as ostras. Um produto delicado, de novo em grande criação no estuário do Sado. As ostras passaram por vários cozinhados, desde sopas, arrozes e outras confeções como gratinados, mas o verdadeiro apreciador que as ostras acabadas de abrir e apenas uns pingos de sumo de limão. Modernamente já tenho visto a substituir o sumo de limão vinagres adocicados. Em França continua a ser muito conhecida a ostra “portuguesa”, pequena e arredondada. Parece que esta designação terá sido atribuída porque, os barcos que saíam de Lisboa carregado, ao descarregar em França o nível dos barcos subia e revelava as ostras que estariam agarradas ao casco dos navios. Sabe-nos bem que continuem com essa designação!

 

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Lagosta suada

Para os lagostins, parece-me que a tradição é apenas cozer em água temperada. O seu gosto é tão delicado que qualquer artifício culinário lhe irá perturbar o seu imperdível e gostoso sabor. O mesmo apete escrever em relação ao lavagante. Para a lagosta a atuação seria idêntica à exceção de uma forma de a confecionar “Suada à Moda de Peniche”. Neste caso é necessário obter uma lagosta viva (a nossa ilustre Maria de Lourdes Modesto escreveu que também pode ser lavagante). Depois, e habilidosamente, deve retirar-se a tripa, deixas sangrar a lagosta, depois cortam-se pelos anéis da cauda, retiram-se as antenas e as patas, abre-se a cabeça ao meio aproveitando todo o interior à exceção do saco escuro. Todos os sucos que ficaram na tábua terão uso. Num tacho, de barro, colocam-se as patas e as antenas, e metade da cauda da lagosta. Depois coloca-se por cima as cebolas cortadas às rodelas fininhas, alhos em lâminas finas, tomate sem pele e sem grainhas, e salsa picada. Rega-se com azeite e junta-se um pouco de pimenta, sal com cuidado, e colorau. Repete-se a operação com a restante lagosta. Só no final se junta vinho branco, aguardente, piripiri, malaguetas, louro, noz-moscada e manteiga. Tapa-se o tacho e vai a lume brando durante cerca de uma hora. No final junta-se um pouco de Vinho do Porto e vai levantar fervura. Acompanha com arroz branco. Sem fazer a apologia desta receita, devo referir que constatei que continua a confecionar-se desta forma. Por mim continuo a gostar de lagosta levemente cozida e comê-la ainda tépida. Mas a lagosta é alvo de várias confeções internacionais que se tornaram clássicas como “à Parisiense”, “À Americana”, “à Cardeal”, e muitas mais. O elitismo da lagosta e do lavagante, e as suas presenças em restaurantes de luxo levou a que no início do século XX se desenhassem talheres especiais para permitir comer todas as partes dos mariscos sem lhes tocar com os dedos. Eu acho sempre muito estranho, especialmente em arrozes, que se coloquem as patas ou pinças, mal cortadas, que é impossível comer sem lhe pegar à mão. E em que estado ficam as mãos e as mesas?!

 

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Sopa de santola

A santola e a sapateira constituem um caso especial na tradição alimentar portuguesa. Ambos se cozem em água que pode ser temperada com alho e picantes, e depois de arrefecer retira-se o conjunto das patas e ficamos com a cabeça/corpo pronta para ser cortada e muitas vezes se juntam outros complementos como picles picados, salsa, picantes, mostarda, vinho ou cerveja, miolo de pão e cebola. O exemplo mais conhecido é a de “Santola no Carro”, ou “Caranguejola” de tradição vianense minhota. Na região lisboeta, marca presença a “Santola Recheada”. É uma prática, sobretudo em cervejarias e esplanadas poder tranquilamente partir as patas e sugar todo o conteúdo, e o recheio da cabeça colocado sobre tostas. Ainda acerca santola, uma referência especial para a “Sopa de Santola”, da Justa Nobre, que vai para uma vintena de anos ganhou um grande grupo de apreciadores.

 

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 Camarão

 

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 Salada de camarão com citrinos 

 

 Ficou para o fim o camarão. Possivelmente um dos mariscos mais consumidos e até utilizados para enriquecer um prato de peixe. Como os restantes mariscos, nada melhor que o consumir após uma leve cozedura. Em água com temperos. Pois o camarão, nas suas variadas categorias e tamanhos onde se incluem as gambas e os tigres, serve-se cozido muitas vezes salgado com sal grosso. Depois entra em variadíssimas composições. Desde meados do século XX, fomos atacados com todas as fórmulas de cocktail até quase desaparecer. Mantém-se em caril com um erro fatal que é de deixar cozer excessivamente o camarão no molho. Quando comemos sentimos a consistência do camarão mas não o seu gosto. Recheia pastelões, saladas russas, rissóis, é gratinado…!

Para marisco, e quando é fresco e de qualidade, volto a deixar o meu conselho: cozinhar o menos possível.

Não esqueçam que os mariscos sabem melhor acompanhados com vinho ou cerveja.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Este texto já foi publicado no meu livro “Tratado do Petisco”

Foto de navalhas de © Adriana Freire