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Segundo alguns escritos a canja é de origem indiana e possivelmente transmitida através dos Colóquios de Garcia da Orta. Este refere “…o caldo de arroz, ou canje…” que aprendeu com a sua mais importante serviçal e cozinheira Antónia. O seu sucesso deve-se, naturalmente, à sua simplicidade, e assumida como elemento alimentar fundamental para recuperar a saúde. Ainda hoje é costume ouvir-se que “Cautelas e Canja de Galinha, nunca fizeram mal a ninguém”.
A sua origem poderá encontrar-se numa sopa de arroz da Índia, peze, à qual se juntavam umas ervas. Posteriormente juntou-se-lhe a galinha, receita que ainda hoje é vulgar em Goa. A própria canja, simples, provocou variações como a sopa S. Francisco Xavier que é uma canja consistente, mas picante. Ainda hoje me lembro da experiência, inesquecível, quando comi aquela sopa no
Hotel Mandovi em Panjim, que continua a ser um marco da gastronomia portuguesa naquelas paragens.
Noutras regiões da Índia encontramos várias versões da peze, sobretudo junto de comunidades vegetarianas.
Outra versão atribui a origem da canja ao estado do Malabar também na Índia, onde se encontra uma sopa designada por kanji, que significa água com arroz. Este nome, e sua transformação, parece estar mais ajustado à actual designação portuguesa.

Basicamente a canja é constituída por uma sopa rala de arroz, com temperos, e o seu elemento tradicional, que é a galinha, ainda hoje se mantém por aquelas paragens. Os produtos, arroz primeiro, e galinha depois, acabam por cozer em simultâneo. Junta-se com frequência hortelã para finalizar.
Mais recentemente assistimos à substituição do arroz por massinhas, mas continuando sempre a ser uma sopa aguada.
Ainda me lembro de, quando vivia em Trás-os-Montes, a canja ter peito de galinha desfiado, os miúdos da própria galinha e, a grande alegria da pequenada, que eram os ovos em formação que praticamente só tinham a gema, em vários tamanhos. Também já encontrei canja com ovos esfarrapados.

O seu consumo sempre esteve associado ao equilíbrio alimentar e a regenerador de saúde. Doentes e parturientes eram tratados pelos supostos benefícios da canja. Mas não só. D. Pedro II, Imperador do Brasil, não abdicava de consumir diariamente a sua canja, até nos intervalos de espectáculos. A tradição desta canja levou o grande investigador e ilustre director da revista GULA, J. A. Dias Lopes, a publicar um livro cujo título é “A Canja do Imperador”. Segundo relatos do escritor R. Magalhães Júnior, o Imperador quando assistia aos espectáculos saboreava “uma canja quente entre o segundo e o terceiro acto, que só começava, por isso mesmo, ao ser dado o aviso que Sua Majestade terminara a ceiazinha”.
Temos também registos curiosos no Palácio Nacional da Ajuda, em cuja cozinha teria que haver, sempre, canja fresca confeccionada para a Rainha Dona Maria Pia pois acreditava que a canja era fundamental para a manutenção da saúde e, portanto, a consumia diariamente.
Mas não era apenas a Rainha Dona Maria Pia que gostava de sopa. “Todos os dias vinha à mesa real uma terrina de canja e uma travessa com galinha cozida e arroz branco guarnecido com prezunto e toucinho…
Todos os Braganças gostavam de canja… “

Mas é no Brasil que encontramos a canja mais consistente. A canja é uma sopa substancial, quase uma sopa completa, quer dizer, capaz de substituir uma refeição. Não encontramos um caldo leve e ralo mas uma sopa espessa onde entram vários legumes e sempre cenoura e até batata.
Ainda recentemente, no Brasil e em Fortaleza, cheguei ao hotel depois de um almoço tardio e pesado, e sendo horas de jantar dirigi-me ao restaurante do hotel pedindo uma sopa leve e uma peça de fruta. O chefe sugeriu-me uma canja de galinha, e tendo-me esquecido momentaneamente que estava no Brasil, lá aceitei a canja. Minutos depois chega a canja que mais parecia uma sopa da pedra, ou do Brasil uma sopa de entulho tão tradicional nos pagodes ou costumeira nos ensaios das escolas de samba do Rio de Janeiro. Assustado e meio arrependido lá provei a canja. Não resisti e prontamente comi a segunda colher…e devagar, e deliciado, lá acabei a canja. Fiquei cliente daquela canja, não só pela sopa em si como pela disponibilidade da brigada do restaurante que passou a perguntar-me que tipo de espessura queria para a canja e que tipo de legumes queria ser incluídos! Surpreendente. É assim que se ganham os clientes.
Sem querer fazer publicidade, mas merece, o
Hotel Luzeiros em Fortaleza é um oásis de tranquilidade e bom ambiente. Com um discreto restaurante no piso da entrada tem um pequeno capítulo de cozinha portuguesa. Para além da cozinha de influência portuguesa o que mais surpreende é a hospitalidade e a capacidade de reacção do todo o seu pessoal. Confesso que sou suspeito. Há anos que este hotel é a minha casa em Fortaleza. Talvez por isso mesmo. E a vantagem de estar na Beira-Mar…Se decidirem ir a Fortaleza tentem o Hotel Luzeiros.

A prática da confecção da canja vulgarizou-se, e transformou-se numa técnica básica de sopas leves. Em Portugal faz-se canja de peixes, de bacalhau, de cadelinhas e outros bivalves, caça e outras carnes. Deixemos aceitar que a canja é um produto de fusão.
Para além dos produtos já mencionados, a canja, é enriquecida com outros produtos vegetais e ervas aromáticas.


O termo canja vulgarizou-se em gíria popular como uma expressão de facilidade, que corresponde à execução culinária. É corrente ouvirmos dizer que uma tarefa é de canja quando é simples de fazer, ou é canja como significado de conseguido pela facilidade do fazer.
Ser de canja é ser negócio fácil de obter, de fazer…!

BOM APETITE!

(C) Virgilio Nogueiro Gomes

Foto: Adriana Freire