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(Rocambole)

Já tive a oportunidade de escrever sobre estes doces, na revista Gosto, de São Paulo, em paralelo com Lecticia Cavalcanti, cronista que muito aprecio. Naquele tempo ambos escrevemos sobre a origem daqueles doces num capítulo no qual o diretor da revista convida dois cronistas com opiniões não coincidentes. Não me pareceram contraditórias, mas complementares. E volto ao assunto confrontado que sou com a apresentação de rocambole e bolo de rolo, nem sempre sendo a mesma coisa. Claro que o rocambole, parece ter aparecido primeiro, e o bolo de rolo ser um estádio superior, ou evolutivo. Mas, sobretudo o rocambole, nem sempre é apresentado da mesma forma. Tradicionalmente é igual à nossa torta doce de Viana do Castelo. E em Portugal temos ainda as tortas de Azeitão, versão de torta individual.

Bolo enrolado, torta, torta enrolada, rocambole, cama de noiva, travesseiro de noiva e bolo de rolo serão primos, parentes ou leves familiares. Por onde começou?

Em Portugal, ou eu pelo menos, temos a tendência, ao investigar a origem de um doce, ir imediatamente aos registos da doçaria conventual. Neste caso não foi fácil.

Quando se olha para um bolo de rolo, na primeira impressão visual admitimos estar perante um sucedâneo das tradicionais tortas portuguesas. Esta designação, torta, é apenas vulgarizada a partir do século XIX, muito embora os japoneses batizem as suas tortas (bolos enrolados) como um bolo português. Lembro-me bem do meu embaraço quando, nos anos 90, recebi um grupo de japoneses que vieram de propósito a Portugal estudar as tortas para completarem as suas histórias no Japão.

Assumo que rocambole é um termo brasileiro para a designação das tortas portuguesas. Rocambole em termos internacionais é uma planta lilácea empregada para substituir o alho pelo que, por aqui, não encontramos afinidades. Se verificarmos alguns autores brasileiros, como por exemplo Cora Coralina, encontramos um paralelismo entre rocambole e torta, que significam a mesma receita. No livro de Gilberto Freyre, Açúcar – 1ª edição de 1939, apresenta a receita de “Bolo-de-rolo Pernambucano” com apenas uma volta de massa e esta recheada de doce liquefeito, tal qual uma receita de “torta” à portuguesa. Ainda no caderno de receitas de Magdalena Freyre e publicado em 2004 com organização de Raul Lody, é apresentada uma receita de “Bolo-de-rolo” com a curiosidade de, e transcrevo: “Espalhe a goiabada derretida e enrole a massa como para rocambole. Repita a operação em várias camadas”. Assim parece-nos que rocambole, bolo-de-rolo e torta serão produtos semelhantes. A partir de que data se isola o bolo de rolo com a particularidade de, com a mesma massa, enrolar em 2, 3 ou 4 camadas? Recentemente, Raul Lody, no seu “Vocabulário do Açúcar”, define rocambole como “Doce composto por uma massa leve e macia, tipo pão-de-ló, recheada com diferentes doces ou cremes para depois ser enrolada”. Ora aqui está mais uma vez a nossa torta de Viana do Castelo. Ainda do mesmo autor e na mesma obra, o verbete para bolo de rolo: “Referência e símbolo da doçaria tradicional pernambucana; é uma torta, pois possui recheio, como doce de goiaba ou araçá; contudo, consagrou-se como “bolo”; a massa é a de pão-de-ló, enrolada ainda quente e depois pulverizada com açúcar de confeiteiro; tipo de rocambole.”

Mas vamos a outras dúvidas em relação à sua origem. As designações de cama, colchão ou travesseiro de noiva são expressões regionais, e com pouca divulgação, utilizadas em bolo enrolado feito com claras em castelo com açúcar, recheadas e cobertas com doce de ovos e até ovos-moles, e por vezes acompanham com amêndoas. Não me parece que sejam estas confeções as parideiras do bolo de rolo.

Volto ainda à origem das tortas. Maria de Lourdes Modesto, no seu livro “Cozinha Tradicional Portuguesa” refere apenas a “Torta de Viana” com recheio de ovos-moles muito embora hoje varie, o recheio, com vários doces de frutas, mas nunca a marmelada. A massa é feita de ovos, e açúcar em dobro da farinha. Classifica a torta como bolo, embora depois classifique a torta de laranja como doce de colher. No livro “Doçaria Conventual do Norte”, de Alfredo Saramago, surge referenciada no Mosteiro de Santa Ana de Viana do Castelo, fundado em 1505, uma “Torta de Viana” recheada com ovos-moles. Em “A Tradição Conventual na Doçaria de Lisboa” de Carlos Consiglieri e Marília Abel aparece a receita de “Torta de Laranja”, mais vulgar na região a sul de Lisboa em que a farinha é substituída por sumo de fruta, neste caso laranja e também se faz com limão. No Mosteiro de Nossa Senhora do Carmo, fundado em 1613, encontramos uma “Torta de Segredos” cuja receita é idêntica à anterior de laranja. Esta tem a curiosidade de ser recheada com claras batidas em castelo com açúcar e depois ligeiramente tostadas no forno. No Mosteiro de São Vicente da Beira, fundado em 1574, deparamo-nos com uma “Torta de Festa” que é um bolo enrolado de claras em castelo com açúcar e miolo de amêndoa e depois recheado com ovos-moles.

Em autores recentes como Maria Antónia Goes no seu Dicionário Gastronómico para a palavra Rocambole tem: “Brasil – Torta, bolo enrolado com recheio”. Para os autores Maria Lúcia Gomensoro e Cláudio Fornari, “Rocambole” é um bolo, com farinha açúcar e ovos, muitas vezes em partes iguais, enrolado e recheado com doce. Curiosamente fui ver à Wikipédia a sua versão. E podemos ler que “Rocambole” será em português brasileiro, o mesmo que torta em português europeu. Depois ainda acrescenta que “Um tipo de rocambole típico de Pernanbuco é o Bolo de Rolo”. Categórico, prático e esclarecedor?

Lamentavelmente no Brasil estão a descaracterizar a sua doçaria, utilizando e abusando de leite condensado, que dá um gosto e textura muito vulgarizado. Mesmo para fazer rocambole ou bolo de rolo. Acredito que seja mais fácil para a confeção, mas é a estandardização do paladar, e o apreciador fica a perder. Ainda sobre o Brasil, convém informar que torta é um bolo, habitualmente redondo, e que é recheado.

Também se pode fazer, a torta, sem açúcar e rechear com camarão, cobrindo com molho de tomate, como se faz igualmente em Viana do Castelo.

Como parecendo uma conclusão, bolo de rolo é para mim uma evolução do rocambole brasileiro do qual a origem está na torta portuguesa. Mas mantenho a questão: quando e porquê se começou a chamar rocambole? Parece rocambolesco! De facto verificamos que todas as versões são da mesma família de bolo enrolado. Assim a torta portuguesa deu o rocambole do Brasil. Depois do rocambole aparece o bolo de rolo de Pernanbuco que é um rocambole em que a massa de bolo é mais fina e pode enrolar em mais camadas.

O que importa é que seja bem feito e que fique saboroso. AH! E não esqueçam, escolham um licor caseiro, ou um bom generoso para acompanhar.

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(Bolo de rolo)

© Virgílio Nogueiro Gomes

Fevereiro 2012