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(Pudim de Maçã com Fios de Ovos)

É muito difícil estabelecer as fronteiras, ou limitações geográficas, de uma tradição alimentar. Não se risca no terreno, nem se coloca um muro a separar as tradições. É, por vezes, fácil estabelecer a origem ou nascimento de uma tradição ou de uma receita mas é muito fácil perder-se-lhe o rastro da sua divulgação. E com os meios de comunicação hoje disponíveis é cada vez mais difícil fazer essas fixações.

Isto a propósito de uma receita que vos queria oferecer de Páscoa. Uma Páscoa doce. Era já crescidote, e lembro-me da minha Tia Inês Nogueiro partilhar com a minha Mãe uma receita que ambas consideravam de delicada. E que tinha um segredo…

Já mais crescido quis saber a origem da receita e entender os segredos. Quanto à origem vim a saber que a minha Tia Inês tinha herdado esta receita da sua Mãe, que era espanhola. Que este pudim se fazia apenas em festas especiais porque tinha muitos ovos e muito açúcar. E que sempre foi tradição este pudim em casa da sua família, oriunda de Rio Manzanas, logo ao lado de Gaudramil (freguesia de Rio-de-Onor) e integrada no Parque Natural de Montesinho. Ora se agora nos orgulhamos de não ter fronteiras, naqueles tempos havia uma relação mais humanizada das populações vizinhas que nunca precisaram da União Europeia para se darem bem e partilhar costumes. Eu próprio conheci Zamora e Salamanca antes de conhecer o Porto e fui a Madrid antes de conhecer Lisboa.

Mas vamos ao nosso pudim. Precisamos de duas maçãs reinetas grandes. E mais meio quilo de açúcar e vinte gemas de ovo. Começamos por assar as maçãs e depois retiram-se as peles e grainhas. Desfaz-se a polpa com a ajuda de um garfo até obter uma massa uniforme. Coloca-se, antigamente sempre em tacho de cobre, ao lume o açúcar com um pouco de água até chegar ao ponto de pérola. Junta-se agora a polpa de maçã e envolve-se bem no açúcar. Volta ao lume só para levantar fervura e retira-se para arrefecer. Quando a massa estiver fria juntam-se as gemas de ovo ligeiramente batidas com a ajuda de um garfo e mexe-se tudo muito bem até sentir a as gemas estão bem incorporadas. Entretanto barrou-se uma forma lisa, de pudim, com açúcar caramelo, coloca-se a massa do pudim e vai ao forno a cozer em banho maria durante cerca de quarenta e cinco minutos cobrindo a forma com papel. Depois de cozido deixa-se arrefecer e desenforma-se a frio. Pode enfeitar-se com fios de ovos ou fatias de maçã fritas em xarope de açúcar. Na época também se comiam amoras para quebrar o doce.

Pronto. A receita está dada. Faltam os segredos. E os segredos, que nunca o são, não passam de recomendações. E os segredos têm a ver com a sensibilidade de cada um. Se as maçãs são pequenas colocam-se três. Se não temos mais maçãs reduz-se a quantidade de açúcar e gemas. Depois é perceber quando o pudim está pronto. Havia antigamente relógios e termómetros nos fogões??? Nem gás, nem eletricidade. E lambíamos os dedos de prazer. O segredo é essa intuição, essa sensibilidade de quem tem a coragem de enfrentar os fogões. Possivelmente a minha Tia Inês e a minha Mãe ainda se encontram a “preparar” e “partilhar” doces para nosso contentamento.

Não se esqueçam de um bom licor ou generoso para acompanhar. BOA PÁSCOA.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Foto © Adriana Freire

Abril 2011