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O ovo faz parte do nosso imaginário desde crianças, ou fazia, e continua a marcar uma presença constante à mesa. Símbolo da vida, ou do seu começo, repetidamente provoca a questão do que terá aparecido primeiro: a galinha ou o ovo? Como símbolo da vida está bem presente na gastronomia marcando presença no período da Páscoa e associada à ressurreição, símbolo da esperança de uma nova vida. Sempre presente na representação artística associada ao nascimento, vem depois acrescentar-se nas pinturas de naturezas mortas de grandes artistas como Velázquez, Bosch, Titian, Zurbarán e outros. O ovo está citado em várias fontes na alimentação egípcia, sendo um alimento muito antigo. A própria tradição latina “de ovo usque ad mala” que significa iniciar a refeição pelo ovo e terminar com a fruta, o confirma. Já na Roma imperial os ovos eram considerados elementos importantes na alimentação. Esta tradição parece vir dos Etruscos que, mesmo nos seus túmulos, existem representações de pessoas com ovos na mão símbolo de alimentação no além. Depois da Idade Média são considerados como fundamentais para a alimentação de convalescentes e grávidas. Como muitos outros produtos naturais esteve sujeito a novas interpretações no peso alimentar e, depois de nos habituarmos às suas qualidades, eis que surgem informações “científicas” (ou motivadas por lobbies de produção alimentar) que só nos apresentam os malefícios do ovo relacionadas com o colesterol, de destruição do fígado ou vesícula, ou que engordava quando associado a manteiga. Depois anunciava-se que os ovos são portadores fáceis de bactérias que tantas preocupações davam em refeições de verão. Mas o ovo sempre foi alvo de ditos populares como esta adivinha que Teófilo Braga publicou, em 1881, em “As Adivinhas Portuguesas”: “Pequenina como uma bolota, enche a casa até à porta”. Ainda da gíria popular brasileira: “Uma casinha branca, sem chave, sem tranca.”

Lembro-me de, ainda criança, ser um fã de gemadas, constituídas por uma gema batida em copo com açúcar e depois aromatizada com vinho do Porto. No tempo em que as escolas primárias nem sonhavam com aquecimento, é esta gemada que antes de ir para a escola nos animava. Depois lembro bem que estrelar um ovo era uma arte. Este era utilizado com salgados e poderia servir como sobremesa sendo coberto com açúcar e garantindo que a gema ficasse bem cremosa. Depois era fazer sopinhas de pão na gema cheia de açúcar… A dificuldade era garantir que a clara estava bem cozida e a gema continuava cremosa. Ora, recentemente, a ciência veio ajudar e através de Hervé This ficámos a saber que a clara começa a ficar dura a partir dos 61 graus e a gema a 68, o que permitiu que grandes Chefs da atualidade utilizem estes conhecimentos e apresentem frequentemente novidades com o produto excelente que é o ovo. Claro que em simultâneo surgem novos equipamentos como o “Roner” que vai garantir uma cozedura lenta e a baixa temperatura durante o tempo programado. E é vermos como grandes chefs contemporâneos voltam a eleger o ovo, e em especial a gema, para as suas composições e criações.

Se voltarmos à utilização, no tempo, dos componentes do ovo, não esqueçamos que a clara, com a utilização prática de engomar toucas e outros tecidos nos conventos femininos, teriam deixado de sobra tantas gemas que originaram a nossa mais rica doçaria. Depois a função extraordinária da clara para limpar, filtrar líquidos com matérias em suspensão como os consomês e o próprio vinho. A clara deu origem a essa técnica que ainda hoje perdura, mesmo não utilizando a clara, que é a clarificação. Na doçaria portuguesa vamos das gloriosas “Farófias”, ao “Travesseiro de Noiva” até aos “Alfenins” açorianos. Quanto à gema temos as utilizações mais diversas e mais delicadas e leia-se também mais requintadas. Começo pelos “Ovos-moles de Aveiro”, “Trouxas-de-ovos”, “Papos de Anjo”, …e iríamos ter uma lista interminável de prazeres.

O ovo inteiro é obrigatório cozido no “Bacalhau com Todos”, nas “Ervilhas com ovos escalfados”e na “Açorda à Alentejana”. E no Brasil na “Peixada do Ceará” como na “Caldeirada maranhense”. Ainda no capítulo de açordas nos habituámos a ver a gema crua ser mexida na “Açorda de Marisco”para que esta fique mais cremosa. Ora esta é uma das preparações que criou alardes pelo risco alimentar da gema crua. Os conhecimentos da ciência levaram ao surgimento no mercado do ovo pasteurizado, separando a gema e a clara. Pena que ainda seja pouco disponível para a economia doméstica. Se essa solução foi encontrada, vem novamente a ciência agora a reabilitar o ovo graças à colina, substância presente em grande quantidade na gema e vital para a produção de neurónios e outras células. Ora surgem agora as comunidades médicas a sugerir que se devem consumir ovos e de preferência com a gema mole. Que bom. Quem não se lembra dos episódios, por vezes caricatos de ovos 3 minutos ao serviço de pequeno-almoço? Mas atenção. Os ovos não são todos iguais. Por isso se observa que há um retorno à criação de capoeiras.

Os melhores ovos são aqueles que saem da galinha que nós conhecemos.

© Virgílio Nogueiro Gomes     FEV2011

Foto © Adriana Freire