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Mais uma viagem com aventuras gastronómicas, e mais uma vez, sem guia de restaurantes importantes mas colocando-me no papel de turista mal informado. Saio para a rua e espreito o ar dos restaurantes, leio a lista, faço uma rápida apreciação dos clientes já presentes, e depois decido. A apreciação que faço dos clientes presentes tem a ver com a minha convicção de que se o local é frequentado pelos habitantes possivelmente a comida poderá ser um reflexo da autenticidade local. Aqui sou um pouco suspeito pois conheço bastante bem Marrakech e é natural que me dirija, pelo menos, a bairros que melhor conheço.Há uma fatalidade (boa) em Marrakech que é a Praça Jemaã-el-Fna, e que nos provoca uma visita obrigatória mesmo que se conheçam todos os detalhes que aí são apresentados. A começar pelos sons, e lembro que a praça foi classificada como Património da Humanidade pela sua “oralidade”.  E os sons vêem das campainhas dos aguadeiros, das flautas dos encantadores de serpentes, dos chamamentos dos vendedores de sumo de laranja, dos vendedores de “banha da cobra”, dos grupos musicais, dos artistas de pequenas performances circenses, e de tantas outras animações.Pois para começar esta minha estada em Marrakech dirigi-me à Praça. Depois entrei no Souk Semmarine e Souk Nejarine Chkaira, para ver se reencontrava vendedores da minha lembrança. Apesar de ainda se manifestar discretamente, até aqui chegou a globalização. Lá encontrei vendedores que não tentaram vender-me nada, o que não é fácil, e isso acontece porque me reconheceram como frequentador habitual destes locais. Os marroquinos de uma maneira geral são simpáticos, hospitaleiros mas querem sempre vender algo. E gostam sobretudo de conversar, discutir a excelência dos seus produtos, e naturalmente discutir o preço. Começam por convidar a visitar a loja, apenas para “o prazer dos olhos” e depois, lá tentar vender. Ainda se compra a bom preço, mas sempre com uma ligeira e agradável discussão. Discussão de preços só é para mim desagradável com os taxistas pois nunca entendemos o preço que nos propõem. Chegada a hora do almoço, regressei à Praça e olhei em volta e vi várias novidades em restaurantes, até com pizzas (!). Depois optei por um restaurante que está sempre repleto de turistas mas que também tem muitos marroquinos como clientes. Aqui o único agente negativo  são alguns guias turísticos que parecem donos do local e achando que os seus clientes merecem mais atenções. Pois entrei no restaurante ARGANA. Carrega um nome importante pois “argana” é uma árvore “bendita” que parece evitar o avanço do deserto, produz um fruto que dá origem a um óleo com o mesmo nome que se vem revelando muito polivalente na alimentação, e na saúde da pele. Por coincidência tinha conhecido uma cooperativa feminina nas proximidades de Safi e no ano seguinte o Movimento Slow Food, atribuiu um prémio mundial a este produto e desta cooperativa. O óleo e sobretudo utilizado na alimentação, a frio, e julga-se ajudar a reduzir os níveis de colesterol. É muito bom para temperar saladas e tem um ligeiro sabor a amêndoas torradas. Não se deve utilizar a quente pois transforma-se num produto de difícil digestão. Hoje é também utilizado em cosmética e especialmente em sabonetes e óleos para massagens.Mas vamos ao meu almoço. O restaurante dispõe de três pisos. O primeiro, rés-do-chão, é ao nível da praça, e tem logo à entrada uma vitrina com pastelaria, funciona com serviço permanente como café e pastelaria. O restaurante desenvolve-se nos dois pisos superiores. Fiquei no primeiro andar, com vista próxima da praça. A ementa é relativamente pequena, o que muitas vezes é uma vantagem, e praticamente só tem sugestões marroquinas. Optei por um prato de Couscous Tfaya de Galinha com Legumes. O couscous vulgarizou-se na Europa, havendo várias opções em supermercados, sendo apenas necessário juntar água quente. Mas o couscous é muito mais do que isso. Há um verdadeiro reino de couscous e os caseiros em quase nada se assemelham aos fáceis dos modelos que conhecemos. (Daqui lembro os famosos “cuscos” que ainda se produzem na região de Vinhais. E o que deveríamos aproveitar e diversificar com tradições locais) O meu couscous, que podem ver na foto, tem uma base de couscous sobre a qual é colocado uma coxa completa de galinha (não, não era frango) que foi estufada e com acentuado sabor a açafrão. Sobre a galinha uma espécie de “ratatouille” de cebolas, abóbora, aboborinha, grão-de-bico e uvas passa que dava ao conjunto um sabor muito particular, sentindo-se a pimenta sem estar picante. Como podem ver na foto, uma tacinha contém o verdadeiro tempero deste prato, que agora vem em separado, porque os turistas nem sempre gostam do picante. Achei o prato muito acima do correcto sem ser deslumbrante. Muito agradável. Acompanhei, não se assustem nem pensem que estou a perder qualidades, com Coca-Cola. Neste local, como em muitos outros, é proibido beber álcool. E como não sou fundamentalista (não é verdade Tiago Lima e José Avillez?) este refrigerante até tem qualidades. Do local onde almocei vêem-se três mesquitas. Pena que aqui ainda não chegou a lei contra o consumo de tabaco em restaurantes. Depois como me apetecia uma sobremesa de colher comi uma “Crème Caramel” que estando correcta me fez lembrar os nossos flan em melhor estatuto e com muitas provas.Uma refeição agradável, com os sons da praça e os cheiros que começavam a chegar com a montagem dos pontos de venda alimentares para o jantar.

20.MAR.2010

© Virgílio Nogueiro Gomes