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Deveria escrever-vos sobre o Inverno que hoje começa. Apenas a imagem na paisagem do IP4 dia de Natal de 2008.

Eu não gosto muito, ou quase nada, do Natal. Melhor dizendo, eu não gosto daquilo em que se transformou o Natal. Então das iluminações, até fujo. Não sei se por falta de dinheiro as iluminações de Natal em Lisboa, este ano, eram tão discretas que até eram elegantes, sem o exagero provocador da ostentação. Para isso chega-nos a árvore de Natal do Parque Eduardo VII, naturalmente paga por um banco. É isso, o Natal transformou-se num período comercial, ainda bem para o comércio, mas foi-se o espírito de aproximação, a festa das famílias… O Natal representa a euforia comercial. O presente de Natal passou muitas vezes a ser a borracha que apaga as maldades que se foram fazendo durante o ano. E a ostentação mesmo a nível doméstico? As iluminações das janelas e varandas quando por baixo, algumas vezes, dormem sem abrigo e sem alimentação… Acabei de ouvir palavras de D. António Ribeiro, num programa de memórias, falecido ex - Patriarca de Lisboa: “não se pode ser católico na Igreja e não católico na empresa, na política e na vida em sociedade”.Eu sei, também peco. Mas não dou presentes falsos de Natal. E quanto ao espírito, espero que as orações da Irmã Lúcia, da Casa do Arco, me salvem. Vale a pena reflectir sobre uma pequena percentagem dos presentes de Natal e com esse montante fazer bem a quem realmente precisa. O meu afastamento do Natal começou, longe da Família, por obrigações militares primeiro, seguidas por profissionais, e depois acumularam-se razões de vária ordem até deixar de ser um ritual. Mais recentemente descobri o prazer de passar o Natal em países quentes e, actualmente, escrevo-vos do Brasil. Já não abdico de passar o Inverno longe desses frios.

Não vou aqui repetir experiências que mantenho na memória relativas ao período natalício, particularmente o ritual da matança do peru. E da azáfama de confecção de doçaria que mais parecia querer demonstrar o inventário doceiro daquela época. O Natal é doce, muito doce. À parte do bacalhau cozido com todos, incluindo o polvo, não faltando as rabas, verdadeiro resquício das marcas de medievalismo religioso que nos obrigava ao jejum mesmo em período de Natal. Queremos melhor exemplo do que a lauta refeição que D. Sebastião ofereceu a seu tio D. Filipe II de Espanha a propósito da sua visita durante a época de Natal? Era tal a variedade de peixe que D. Filipe II apelidou o sobrinho de verdadeiro Rei dos Mares. A tradição do bacalhau tem razões que foram abrandando para o Sul, ou pela diminuição de religiosidade, ou pela maior permanência de mouros. No Norte lá entrou tardiamente o peru, mas que habitualmente se come só depois da Missa do Galo ou durante o dia 25. Isto porque o jejum terminava à meia-noite.

Mas a maior e mais gloriosa recordação tem a ver com os doces, infindáveis. E no meu imaginário, e ainda da minha geração, associamos a doçaria a uma actividade feminina com o carinho que isso significa. Mãe, Tia, Irmã, todo o mundo feminino se envolvia. E nós rapávamos os tachos… Agora também diria que é uma actividade slow, termo a que nos vamos habituando em contraponto ao fast (food). Os doces precisam do seu tempo, sem pressas. E de muito amor. Na mesa dos doces não podiam faltar, designadamente, as rabanadas, filhoses de vários tipos, bolinhos fritos de arroz, sonhos, sopa dourada, mexidos, broas, pudins de ovos, súplicas, dormidos, bola de mel e canela, pão-de-ló, arroz doce, a marmelada nova enformada e depois o bolo-rei (com fava e brinde). E ainda os frutos secos: uvas, peras (quase em extinção), ameixas, nozes, avelãs, amêndoas e pinhões.

Aprendam a ser mais doces com um ditado turco: “É preciso comer doces para a pessoa ficar doce”. E precisamos de gente doce.

Bom Apetite

© Virgílio Nogueiro Gomes