É vulgar afirmarmos que os portugueses têm uma auto-estima pouco valorizada. Lá sentimos alguns portugueses se entusiasmarem com o futebol, mas outras actividades passam muito discretas. Então em termos de artes é ainda mais difícil sentir o orgulho daquilo que é nosso, e entusiasmarem-se com esses valores.
Já tenho afirmado várias vezes porque a culinária é uma arte. Não vale a pena confirmar afirmações anteriores. Aliás, os leitores habituais das minhas crónicas, já perceberam a minha insistência nessa classificação.
Estranho é que toda a gente reconhece a necessidade de se alimentar mas parece valorizarem pouco a transformação dessa necessidade em prazer. E, nos tempos que correm, assistimos a uma grande alteração dos hábitos alimentares, e contrariar algumas regras básicas para a alimentação. Desde o abandono da sopa ao pouco consumo de fruta. Ao desenvolver o consumo de produtos alimentares sucedâneos dos próprios alimentos.
Mas voltemos ao início e ao feitio de pouco valorizarmos o que é nosso. Este cantinho da Europa pode gabar-se de ainda ter muitos estabelecimentos onde se come bem e barato. Se compararmos com os países mais próximos de nós como a Espanha, a França ou a Itália podemos seguramente afirmar que em Portugal não se correm riscos qualitativos de alimentação em estabelecimentos de restauração na sua globalidade. E muito mais barato. Experimentem não eleger restaurantes a partir dos guias de referência. E depois comparem. Abençoado Portugal onde ainda tão bem comemos.
Certo é que não temos a visibilidade de alguns países. Nem o nosso marketing turístico tem sido muito esforçado neste capítulo. E, às vezes, também copiamos mal. E esquecemo-nos de que estamos a deseducar o gosto encontrando, cada vez mais, soluções rápidas de alimentação. Eu sei que os tempos mudaram…!
Temos o nosso feitio tranquilo, gostamos de comer, e de beber, gostamos de falar mal uns dos outros, e esquecemo-nos de transferir as nossas energias para o nosso orgulho e o prazer de partilhar as vitórias dos portugueses. Claro que estou a referir-me às artes culinárias. Do futebol já se escreve demasiado.
Portugal tem vindo a participar em competições internacionais sem que se dê o devido espaço nas nossas informações. Portugal é desde 1991 filiado na WACS (World Association of Chefs Societies), através da Associação dos Cozinheiros Profissionais de Portugal, única entidade que pode inscrever cozinheiros/pasteleiros nos seus eventos internacionais. É sob a alçada da ACPP que foram constituídas as Equipas Portuguesas para participação nas Olimpíadas da Culinária que se realizam nos mesmos anos das Olimpíadas desportivas.
Em 1992 Portugal participa pela primeira vez com as suas Equipas Sénior e Júnior e arrecada duas medalhas de Bronze. Em 1996 Portugal participa pela segunda vez nas Olimpíadas e consegue também duas medalhas de Bronze.
No Concurso World Culinary Grand Prix realizado em Glasgow em 1997 Portugal participa com a Equipa Sénior e alcança uma medalha de Bronze.
Em 2000 Portugal participa pela terceira vez nas Olimpíadas e obtém o excelente resultado de três medalhas de Prata e duas de Bronze. No ano seguinte volta a participar com a Equipa Sénior na World Culinary Grand Prix em Glasgow ganhou duas medalhas de Prata e duas medalhas de Bronze. Em 2002 participa na Expogate no Luxemburgo com a Equipa Sénior e classificou-se com uma medalha de Prata e uma de Bronze.
Em 2003 participa ainda com a Equipa Sénior no Concurso The American Culinary Classic em Chicago e ganha duas medalhas de Prata e duas medalhas de Bronze
Em 2006 Portugal apresenta a concurso um elemento da Equipa Júnior no concurso World Júnior Chefs Challenge, na Nova Zelândia, obtendo pela primeira vez para Portugal uma medalha de Ouro e o título de Campeão Mundial Júnior Chefe. Nesse mesmo ano participa ainda na Expogate no Luxemburgo com as Equipas Sénior e Júnior e obtém uma medalha de Prata, e três medalhas de Bronze.
Em 2008 volta a participar um elemento júnior na World Júnior Chefs Challenge e obtém o segundo lugar e a respectiva medalha de Prata. Novamente nas Olimpíadas de 2008 com as Equipas Sénior e Júnior, Portugal volta a brilhar e arrecada duas medalhas de Prata e quatro de Bronze.
Recentemente, durante a Alimentaria, decorreu em Portugal a semi-final da Global Chefs Challenge para apurar o candidato da Europa Sul/ Mediterrâneo a participar no concurso mundial que se realizará em Janeiro de 2010 em Santiago do Chile. E Portugal venceu esta semi-final o que lhe permite na final do Mundo onde apenas estão seis países. Tive a sorte de poder assistir e provar a ementa da equipa portuguesa. E tive ainda a sorte de assistir à proclamação do vencedor. É muito gratificante poder observar o rigor das provas e constatar a excelente participação dos elementos portugueses. Portaram-se muito bem sendo discretos mesmo jogando em casa. O júri foi unânime na atribuição do prémio a Portugal. Agora vamos todos torcer, sem precisar de por Bandeiras Nacionais às janelas, para que a nossa equipa ganhe o troféu mundial.
Acompanhei as delegações participantes nesta semi-final. Programa requintado de deixar as delegações estrangeiras surpreendidas a cada dia que terminava. Portugal no seu melhor! Concorrem com Portugal: Bulgária, Chipre, Croácia, Eslovénia, Itália, Malta, Montenegro e Roménia.
Quero aproveitar estas páginas para partilhar convosco a ementa que os portugueses apresentaram. Mas mais importante que a ementa foi puder assistir à segurança e rigor com que os dois elementos da equipa portuguesa trabalhavam. E com público a observar.
Como todos os concursos de âmbito mundial, estão sujeitos a um rigoroso regulamento comum a todos os países. Não se trata de um festival para apresentação das nossas cozinhas regionais, que são excelentes. Há espaço, isso sim, para a excelência dos nossos produtos. A ementa era obrigatoriamente constituída por uma entrada, um prato vegetariano, um prato base e uma sobremesa.
Para começar Creme de frango, timbale de legumes, peito de frango fumado, emulsão de coentros e gengibre, almôndega de frango com soja. Parece quase uma sopa completa, uma refeição. A proporção certa de todos os elementos, e a elegância da sua apresentação no prato satisfaz-nos a vista, o cheiro e depois, a satisfação do paladar.
Continuamos com o prato vegetariano: Salada de portobellos e maçã verde, geleia de romesco, trigo ligado com queijo Ilha com risotto, ovo de codorniz a vapor. Apetece ser vegetariano. Devo realçar a salada de portobellos com maçã verde que é uma sugestão fantástica para preparações do dia a dia e aprendermos a valorizar os nossos cogumelos.
A seguir uma extraordinária celebração à qualidade do nosso peixe e de uma confecção emblemática: Robalo corado com picadinho de tomate e amêijoas à Bulhão Pato, puré de aipo, batata roxa, flan de ervilhas e crocante balsâmico. É muito difícil conseguir um conjunto de tantas coisas boas sem criar um enfartamento. O melhor para mim.
Se em Portugal temos uma cozinha simples e pouco sofisticada, temos a vantagem de ter um conjunto de produtos de excepcional qualidade. Para além desse conceito de cozinha de produtos, Portugal marca pontos com a sua doçaria. Para sobremesa foi apresentado um Biscuit de agrião com ganache de chocolate Valrhona, parfait de chocolate branco com maracujá, sorbet de pepino, azeite e iogurte, geleia de morango e menta, e macaron de cacau. No conjunto desta refeição é difícil arranjar adjectivos para cada prato. A sobremesa foi extraordinária, e refiro a subtileza do sorbet para equilibrar o conjunto.
Com esta ementa apurou-se Portugal para o Campeonato Mundial a decorrer em Janeiro de 2010. Estão de parabéns as nossas Artes Culinárias e em especial a Equipa que disputou o concurso. Devem também os nossos empresários da restauração saber aproveitar esta onda de prestígio dos executores da culinária.
Não podemos esquecer que Portugal terá ultrapassado, no ano transacto, um volume de negócios sete mil milhões de euros, em restauração.
BOM APETITE!
© Virgílio Nogueiro Gomes