consumidor.jpg

Tenho um pouco a mania de ter opinião sobre quase tudo. Eu tenho é cada vez menos tempo, e paciência, para intervenção na política ou sequer ler ou ouvir os seus analistas, não ouço os partidos, mas voto sempre. Perdoem-me confessar que as minhas preocupações vão cada vez mais para práticas de qualidade de vida nas quais não encaixam nem os partidos políticos, nem a religião e nem o futebol. Não será, contudo, este o local próprio para estas explicações.

Nesta minha prática definida para a qualidade de vida estabeleci que uma grande comodidade é comer fora de casa. E comer sobretudo em restaurantes. Por isso tenho histórias engraçadas e uma atitude muito positiva em relação à nossa restauração. Que defendo e a melhor prova é verem-me diariamente a comer em restaurantes. Isto não invalida aceitar convites em casas e de, por vezes, cozinhar em casa. Neste caso a grande maioria das vezes é mais para experimentar um produto ou uma receita do que pela comodidade de comer em casa.

Já defendi nestas páginas o esforço que deve ser feito para transformar uma necessidade em prazer. Todos temos que nos alimentar. Então porque não transformar esse acto em circunstâncias de prazer ou, pelo menos, de um acto agradável? Pois é por aí que eu caminho. Isto não significa que só se come bem nos sítios caros…! Bem pelo contrário.

Esta crónica de hoje será, portanto, a de um consumidor permanente de restaurantes. Um viciado com a agravante de ter trabalhado nessa área. E constituir a alimentação, e a sua história, como o meu hobby preferido.

Na fase final da minha carreira dediquei-me especialmente às questões da Qualidade. E encontrar definições em linguagem corrente para que todos pudessem entender que a Qualidade deve ser assumida como um instrumento de gestão, quer dizer, um elemento que ajude a produzir melhores resultados. A maior dificuldade era fazer passar este conceito, e definir o que é a Qualidade dado que tínhamos muitos manuais sobre conceitos industriais mas, na área dos serviços, era mais complicado. E havia sempre os críticos que afirmavam não ser possível registar a nossa peculiar forma de atendimento, a nossa hospitalidade. Continuo, anos depois, a dizer que todos os circuitos produtivos podem ser aperfeiçoados através de métodos simples colhidos na certificação para a Qualidade. Ainda recentemente num seminário no qual fiz uma intervenção sobre Qualidade na restauração comecei por afirmar que a qualidade começa com a legalidade. E sobre isto, claro como é, não são necessárias mais explicações. Depois é obrigatório que o empresário queira percorrer esse caminho, e que saiba o que pretende servir. Ora aqui reside a essência das questões básicas. Para abrir um estabelecimento novo parece simples. Para o que está em funcionamento terá que se fazer o exercício da descrição do produto que vendemos, ou prestamos, o que revelará se, de facto, conhecemos a nossa casa.

Definido o produto, quer dizer, o que vendemos ou o que produzimos, devermos questionar quais são os pontos mais positivos e mais negativos. Assim poderemos potenciar os mais positivos e encontrar soluções para os negativos. Chegaremos por aqui à definição do conceito de Qualidade. Ou melhor, iremos criar um sistema que nos garanta a qualidade do nosso produto. Quer dizer, definimos o produto e vamos identificar todas as fases da produção, com indicadores de risco, para garantir que a cliente seja sempre atendido de acordo com as definições que vão caracterizar o nosso estabelecimento. Quem percebeu esta mecânica foram as empresas de fast food, daí o seu sucesso e implementação mundial, ou globalizante.

O pequeno estabelecimento familiar, ou o grande restaurante, podem igualmente ter um sistema de garantia de qualidade. Mas o que irá garantir a qualidade é uma atenção permanente sobre o produto global. E adquirir um espírito crítico. E ouvir atentamente os clientes. E aprender a fazer de uma reclamação um instrumento de negócio. Um cliente que reclama tem que ser assumido como uma ajuda. E, um cliente que reclama, nós reconhecemo-lo como tal e, portanto, podemos responder às suas questões fazendo com que ele volte ao nosso estabelecimento.

Costuma dizer-se que apenas 30% dos clientes insatisfeitos é que reclama. Agarremos então esses e vamos garantir, com a nossa postura, que eles regressem. É fundamental a taxa de fidelização da clientela.

Eu muitas vezes faço o papel do cliente simpático, que não está satisfeito, não reclamo, mas que não volto. Só costumo reclamar quando me parece fácil corrigir e é um local onde me apetece voltar. Quando me refiro a reclamar não significa usar o Livro de Reclamações. Se temos um interlocutor que nos sabe ouvir, a reclamação é muitas vezes melhor resolvida sem se envolver em questões legais ou de burocracia sem consequências práticas. Nunca usei o Livro de Reclamações, e o hábito de falar com os responsáveis do estabelecimento dá melhores futuros e evita complicações e enervamentos desnecessários.

Recentemente, em dia de chuva torrencial, dia feriado, cerca da duas da tarde procurava um restaurante para almoçar. Domingos e Feriados são, por vezes, difíceis de encontrar abertos os restaurantes das nossas preferências. Evidentemente que há bons restaurantes a funcionar, mas são poucos. Já me apeteceu fazer um guia dos restaurantes de Domingo em Lisboa. Desafiei um amigo jornalista, e cronista, de gastronomia mas ainda não nos arrumámos para essa publicação.

Então, miraculosamente, encontro um lugar para estacionar mesmo à porta de um restaurante, que já tinha frequentado várias vezes, e que estava muito vazio. Estacionei de imediato e corri para o restaurante para não ficar todo molhado. Parte da brigada fez cumprimentos de reconhecimento, e até o chefe de cozinha, de serviço, me veio cumprimentar. Sou informado que não havia serviço à carta, mas que o buffet era excelente. Não vi em nenhum local o preço, mas a culpa foi minha que deveria ter perguntado primeiro. Como já conhecia o local, nunca tendo pago mais, com refeição completa e bebidas, à volta de trinta euros. O buffet era pouco variado com escolhas muito limitadas, informam-me que depois das entradas a cozinha tinha para complemento, e incluído, umas espetadas de peixe, de frango, ou de peru. Pedi uma de peixe, tendo o empregado de mesa dito que não ficaria muito satisfeito pois eram muito pequeninas. De imediato da cozinha fazem um sinal e, afinal, para mim iriam fazer duas de peixe, sendo que uma delas era de bacalhau. De facto dois pedacinhos do dito. Provei duas sobremesas, e tomei um café, e outro o meu acompanhante que não almoçou. Bebi água. Conta no final sessenta e quatro euros. Sessenta euros o meu buffet e quatro euros a água. O meu café estava incluído e ofereceram o outro.

A minha surpresa foi grande. Ainda pensei que estavam debitados dois buffets. Mas não. Preço de buffet em dia Feriado…!

Pensei de imediato: porque não fui eu almoçar ao Hotel Ritz? Pelo menos aqui tem o melhor buffet de Portugal.

O preço só é caro quando, o que nos serviram, não correspondeu à expectativa. Nunca é caro quando é elevado mas a exclamação é que valeu a pena. Aqui não voltarei a este restaurante. Não reclamei mas garantidamente não volto.

Hoje em dia está a abandonar-se, na restauração, a expressão da relação preço/qualidade, por uma muito mais ajustada para quem, como eu, que tenta transformar uma necessidade, a alimentação, em agradabilidade: preço/prazer.

As refeições não precisam de ser todos os dias um espectáculo, como diria o meu amigo Luis Suspiro. Mas algumas podem ser muito mais correctas. Às vezes fazer melhor não significa fazer mais caro ou com mais custos.

Não desistam dos restaurantes. Tirem deles o melhor que eles nos podem dar.

 

BOM APETITE!

© Virgílio Gomes

Foto (C) Adriana Freire