Frango na Púcara

 

Parece uma receita simples e fácil, mas nem sempre é bem feita. Identificada como oriunda de Alcobaça também se encontra na região alargada até Ourém onde também já a comi bem feita. E uma das razões para a confeção não me parecer aprimorada é o facto de, por vezes, ser confecionada a lume alto quando deve ser em lume baixo, e por mais tempo. Lá diz o ditado: “quem cozinha depressa como cru ou duro”.

 

Não há muito história sobre o aparecimento desta receita. Consta, no entanto, que se deva ao Mosteiro de Alcobaça onde seria inicialmente feita com perdiz. Esta mudança “estará, forçosamente, ligada ao carácter nobiliárquico que aquela pequena ave tinha, sendo considerada peça de caça destinada a estômagos economicamente privilegiados.”, assim se pode ler numa descrição no livro A cultura gastronómica em Portugal, volume I, editado pelo Centro de Formação Profissional do Sector Alimentar, em 1995.

 

Parece-me que por vezes terá sido confecionada com galinha, vejamos o provérbio do século XVIII que dizia: “A velha Gallinha faz gorda a cozinha” *. Evitava-se cozinhar galinha enquanto esta dava ovos… Possivelmente a sobrevivência desta receita se deva ao facto de substituir a perdiz pelo frango e assim ficar mais acessível e popular. Felizmente!

 

 

frangop1

 

No livro Receitas e Sabores dos Territórios Rurais, editado por Minha Terra – Federação Portuguesa de Associações de Desenvolvimento Local, 2013, a versão é mais precisa: “… como as perdizes começaram a escassear, o cozinheiro António de Sousa, mais conhecido por chefe Bonzíssimo, do restaurante «Corações Unidos”, criou a receita de Frango na Púcara, adicionando-lhe os ingredientes necessários para que o seu sabor se aproximasse do sabor da Perdiz na Púcara.”

 

A receita é um estufado colocando todos os ingredientes em cru, na púcara, tapada, e vai ao lume por cerca de quarenta minutos. Quanto aos ingredientes devemos contar com frango limpo e cortado em pedaços, presunto, toucinho entremeado fumado, tomate, cebolinhas, manteiga, alho, vinho do Porto, aguardente velha, louro, salsa, sal e pimenta, vinho branco e uvas passas.

 

A primeira receita que encontrei é da autoria de Maria Odete Cortes Valente, em Cozinha Regional Portuguesa, Editorial, Organizações, L.da, Lisboa 1962. No mesmo ano foi publicado o livro Cozinha do Mundo Português, de M.A.M, na Livraria Tavares Martins que também contém uma receita de Frango na Púcara. Há pequenas variantes em relação aos vinhos e também encontrei uma receita que acrescenta cogumelos. Em 1969, encontrei no livro Coisas Boas – Receitas Culinárias, 4º edição sendo que a 1ª foi em 1960, mas não consegui saber se a receia já lá estaria incluída, editado pela Conferência do Imaculado Coração de Maria, em Lourenço Marques, três receitas de Frango na Púcara, todas cedidas por Maria do Céu Pereira da Silva, com ligeiros variantes, mas na essência são idênticas.

 

Depois Maria de Lourdes Modesto, na Cozinha Tradicional Portuguesa, Verbo 1982, e Maria Emília Cancella de Abreu, em Tesouros da Cozinha Tradicional Portuguesa, Seleções do Reader’s Digest, 1984 que publica a receita do Café Águia d’Ouro de Alcobaça, e acrescenta que acompanha com batatas fritas.

 

 

frangop2

 

No livro Culinária, de Olleboma, 1928, surgem duas receitas sendo uma de Frango estufado à portuguesa sem tomate e outra de Frango estufado à portuguesa com tomate que poderiam ser antecessoras da receita de Frango na Púcara. No mesma obra existe uma receita de Perdizes estufadas, que nos poderiam levam à tradição da Perdiz na Púcara só que nesta receita usa vinho Madeira em vez de Porto.

 

Eu habituei-me, sempre que vou a Alcobaça, a ir comer Frango na Púcara, como fiel consumidor, ao restaurante António Padeiro. E é por isso que esta crónica surge. Recentemente este restaurante foi o convidado no restaurante JNçQUOI Avenida e um dos pratos presentes foi o Frango na Púcara. O JNçQUOI já nos habituou a trazer ao seu espaço o melhor que há de cozinha regional portuguesa, e servir os seus pratos. A propósito do JNçQUOI, apetece-me transcrever uma pergunta e responda da última entrevista que a saudosa Maria de Lourdes Modesto concedeu a Alexandra Prado Coelho paro o Público – Fugas: “Se tivesse um restaurante, como é que o imaginava? Eu estava a pensar fazer cozinha portuguesa. Não sei se teria o jeito e a competência do meu amigo, o chef António Bóia, que [no JNcQuoi, em Lisboa] faz cozinha de luxo com cozinha portuguesa. Eu achava que a cozinha portuguesa podia vir à mesa de toalha de linho e candelabros de prata.”

 

 

frangop3

 

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

*Publicado no livro Adagios, Proverbios, Rifãos, e Anexis da Lingua Portugueza Tirados dos melhores Authores Nacionaes, e recompilados por ordem Alfabética, por F.R.I.L.E.L., em Lisboa na Typografia Rollandiana, em 1780.