Tocino de cielo
Traduzir termos ou denominações culinárias não é sempre fácil, ou mesmo uma evidência. Neste caso, o «Tocino de cielo» é um doce espanhol que não significa, literalmente o Toucinho do céu português, apesar de ter algumas semelhanças, mas tem mais diferenças. Toucinho do céu em Portugal é, genericamente, um bolo confecionado a partir de um ponto de açúcar ao qual se juntam gemas de ovo, amêndoa e doce de gila. O «Tocino de cielo» é um doce com gemas de ovos, mas que tem uma apresentação e consistência de um pudim, por vezes chamado em França de «flan».
Encontrei recentemente, no livro Recettes pour toutes les Fêtes, de Jacqueline Ury, Éditions Salvador, Paris, 2014, uma receita de «Tocino del cielo» como pertencendo a Espanha. A autora atribui esta receita como uma tradição da Andaluzia, inventada no século XIV, no convento do Santo Espírito de Jerez de la Frontera. O seu comentário, com tradução minha é: “Se a sobremesa é rica, ela é terrivelmente saborosa!” Curiosamente apresenta uma receita sem amêndoa.
No Diccionario de alimentación, gastronomia y enologia española y latino-americana, de Ginés Vivancos, Everest, 2003, podemos ler: “Tocino de cielo. Dulcíssimo postre elaborado com yemas de huevo y almíbar, en moldes grandes o individuales y cocido al baño maría hasta cuajar. Tiene dama los de Grado (Asturias), Úbeda (Jaén), Guadix (Granada), Ávila, los murcianos y los vascos. También los portugueses.”
Tocino de cielo, do livro de Aizpitarte
O que me provocou esta crónica foi um livrinho com o título Tocino de cielo, de Iñaki Aizpitarte, Les Ateliers d’Argol, Paris, 2022. Aizpitarte é um emblemático chef basco instalado no Restaurante Le Chateaubriand, em Paris. Este livrinho é uma homenagem à famosa sobremesa que é um cartaz do restaurante. Quando lhe perguntam sobre o seu «tocino de cielo» ele responde que é «LE dessert du Chateaubriand». O livro é uma entrevista efetuada por Catherine Flohic cujo assunto central é a famosa sobremesa.
Para aqueles que se interessam mais por receitas, que depois não confecionam, o chef dá a receita com ingredientes e modo de confecionar. Mas o mais interessante para mim foi a conversa sobre o doce, a sua essência, e a sua transformação, acompanhado de imagens. Depois, ainda uma entrevista com o percurso do chef.
Toucinho do céu de Murça
Toucinho do céu de Guimarães, foto (C) Turismo de Guimarães
Toucinho do céu de Portalegre
A denominação de Toucinho do Céu, em Portugal, é utilizada para bolos confecionados a partir de um ponto de açúcar ao qual se juntam gemas de ovo, amêndoa e doce de gila. No entanto, aquela denominação só nos identifica especificamente esses bolos quando se junta a localização regional, e em muitos casos associados a um convento. A maioria dos toucinhos do céu são redondos à exceção do Toucinho do céu de Murça, oriundo do convento de S. Bento, que é cozido no forno em formas retangulares e depois servido às fatias. Famoso é também o toucinho do céu de Guimarães que depois de confecionado é polvilhado com açúcar em pó e enfeitado com flores recortadas em papel. Há algumas receitas onde se pica cidrão cristalizado. Ainda no norte encontramos no Mosteiro de Vairão e no Mosteiro de Santa Clara em Vila do Conde. Depois ainda há toucinho do céu em Coimbra, mas o Alentejo é pródigo em variedades de toucinhos do céu, todos muito semelhantes, mas com variação nas proporções dos seus ingredientes. A variação estende-se ao Algarve. É, no entanto, em Santiago do Cacém que encontrei o mais diferente e o único que tem semelhanças com o «tocino de cielo». Em 1986 deram-me a provar e ofereceram-me a receita, de um toucinho do céu com uma consistência semelhante à de pudins. Podem encontrar imagem e a receita no meu livro Doces da nossa Vida, Marcador, 2014.
Aproveitem a descobrir as variedades de toucinho do céu, “… do céu para nossa satisfação”.
© Virgílio Nogueiro Gomes
Título: Tocino de cielo
Autor: Inaki Aizpitarte - Dialogue avec Catherine Flohic
Editor: Les ateliers d’argol, Paris, 2020
ISBN : 979-10-94316-38-6
Toucinho do céu de sobremesa