Bolo português
Continuo com a identificação de receituário cuja denominação nos remete para Portugal ou “à portuguesa”. Desta vez no menu de um jantar, em 24 de setembro de 1885, encontramos no final da refeição um “Bolo português” (Gâteau Portugais).
Este menu tem um conjunto de pratos que pela sua apresentação parece lembrar o serviço à francesa com vários etapas e que no último serviço são servidos gelados e o “Gâteau Portugais”. Depois ainda haveria a sobremesa que não é identificada. Suponho que a refeição terá decorrido nas proximidades de Paris, e teve uma componente musical interpretada pela “Garde Républicaine” com um programa impresso da outra face do menu. Nesta data o presidente da República Francesa era Jules Grévy que presidiu de 1879 a 1887. Estamos no período pós assinatura do Tratado de Berlim 1878, e que deu origem a manobras militares em França, e nas quais Portugal terá participado. O delegado português, Coronel Visconde de Pernes, foi adido militar na Embaixada de Portugal em Paris, e teria estado presente neste jantar.
Eis o Menu:
Do receitário da época encontrei no livro La Cuisine Classique, de Urbain Dubois e Émile Bernard, E. Dentu, Éditeur, Paris, com primeira edição em 1864, uma receita de “Gâteau Portugais” (Bolo português) que é feito a partir de outra receita que se chama “Appareil de Biscuit de Portugal” (Massa de biscoito de Portugal). Os autores, franceses, foram chefes do rei da Prússia, Guilherme I (desde 1861 e depois Imperador da Alemanha, unificada desde 1871, até à sua morte em 1888). Urbain Dubois foi inicialmente aprendiz de cozinheiro em casa de James Rothshild e passou pelos restaurantes mais famosos de Paris naquela época, como o Café Anglais, Tortoni e Rocher de Cancale. Entra ao serviço do príncipe Orloff e torna-se depois chefe de cozinha da casa do rei da Prússia, futuro imperador da Alemanha. É nesta cozinha que encontra Émile Bernard, que havia trabalhado para Napoleão III e fizeram este livro em parceria.
Eis as receitas:
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Encontrei ainda uma receita de “Gâteau à la portugaise” (Bolo à portuguesa), publicado no livro Le Cuisinier Impérial, de Viart, Fouret et Délan, e ainda com a colaboração de Bernardi para o capítulo Glacier Impérial, Livraria Gustave Barba, Paris, 1867. Este livro é a junção de outros dois livros de Viard (assinado aqui por Viart), já falecido e cujos diretos tinham sido adquiridos pelo editor. Os seus livros anteriores são Le Cuisinier Impérial, 1806 e Le Cuisinier Royal, 1817.
Eis da receita do “Gâteau à la portugaise” (Bolo à portuguesa):
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A minha proposta para férias de verão é experimentarem os dois e depois escolherem o melhor. Eu gostaria de saber o porquê desta denominação “português” e “à portuguesa”. Seguramente pela utilização de laranja doce, muito identificada com Portugal desde o século XVI, o que originou que em muitos países a palavra que designa o fruto laranja aponte para a etimologia do topónimo Portugal. São várias as expressões com matriz na metonímia: Turquia - portukal; Roménia – portocaliu; Albânia – portokall; Geórgia – portokhali; Bulgária – portokal; Grécia – portokali; Macedónia – portokal; Pérsia – porteqal; Itália – portugallo ou portugai (antigamente, hoje diz-se aranci), e em árabe burtugaal ou potucalo.
A maioria destas informações poderão encontra-las, mais desenvolvidas, no meu livro À Portuguesa: receitas em livros estrangeiros até 1900, Marcador, 2021. Este Menu faz parte da minha coleção.
BOAS FÉRIAS
© Virgílio Nogueiro Gomes