Borrachos

 

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Plaza Mayor de Alcañices

 

Hoje estou a escrever sobre memórias da minha meninice, um doce a que nos era limitado o consumo, pelos nossos Pais, pela concentração alcoólica que parecia conter. Nascido e criado em Bragança, ir a Espanha era uma prática comum. Lembro-me de na fronteira quase nem sermos identificados pelo conhecimento de ambos os lados e dada a frequência com que fazíamos as deslocações. Depois do final da Guerra Civil em Espanha entre 17 de julho de 1936 e 1 de abril de 1939, seguida da II guerra Mundial entre 1 de setembro1939 e 2 de setembro de 1945, a Espanha encontrava-se numa situação delicada, época durante a qual o escudo valia mais do que a peseta. Lembro-me de ir a Alcañices e de levarmos de presente café em grão e recebermos de cortesia chocolates e caramelos. Estranho que a minha primeira viagem ao estrangeiro fosse a Espanha, mas, irmos a Alcañices, Puebla de Sanabria, Zamora ou Salamanca, não me parecia ir ao estrangeiro! Conheci Madrid antes de conhecer Lisboa!

 

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Caixa com Borrachos

Alcañices dista 21 km da fronteira de Quintanilha e foi palco de um evento importante para a História de Portugal. Em 12 de Setembro de 1297, na vila de Alcañices, província de Zamora foi assinado um dos mais importantes tratados entre Portugal e Espanha. Foi um acordo de definição de fronteiras que pretendia resolver vários e permanentes conflitos entre Portugal e Castela, evitando que pequenas disputas territoriais pudessem arrastar os dois países para uma guerra de dimensões superiores. O tratado foi assinado entre o rei de Portugal D. Dinis e o rei de Castela Fernando IV e seguiu-se a um período de tensão entre as duas coroas, no decorrer do qual várias incursões militares de ambos os lados e diversos pontos de discórdia haviam elevado o risco de um confronto geral. Tratou-se, portanto, de um acordo de cedência mútua de posições fronteiriças e de reconhecimento de uma linha de separação dos territórios dos dois países.

Pois foi em Alcañices que aprendi a lidar com Espanha. Aproveitávamos para fazer a refeição de almoço e era obrigatório fazer compras. Há uma pastelaria e mercearia na sua Plaza Maior onde sempre se compravam um doces, húmidos, para os quais os meus Pais estabeleciam regras sérias de consumo pois na sua confeção entra conhaque que embebe os doces e nós eramos crianças… Agora que tenho a liberdade de poder comer os que me apetecerem, apenas como um e acompanhado por café expresso. Mas sempre que vou a Alcañices dou um passeio pela vila e visito a Igreja onde se faz festa a N. Sra. da Saúde.

 

 

 

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Igreja em Alcañices

Fui recentemente a Alcañices com o propósito de os comprar para escrever sobre estes doces: os borrachos. A loja está no mesmo local, mas pareceu-me que o espaço tinha aumentado com um minimercado onde se vende de tudo. No interior, e no espaço central da vitrina de pastelaria lá estavam os borrachos à minha espera. Primeiro comprei e depois comecei a fazer perguntas e a querer saber como se confecionam. Nunca peço a receita. É preparado um bolo, tipo pão de ló e cozido em forma retangular, depois de cozer corta-se em fatias como se vê na imagem, embebe-se em calda de açúcar com cognac, e depois polvilha-se com canela de forma abundante. Quando embalado é colocado em caixas com forro de fino plástico para garantir que os bolos continuem húmidos. Parece simples, mas o melhor é ir a Alcañices e comprar já feito. E aproveitem a disfrutar do bom que há em Bragança.

 

 

 

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Um Borracho

Falei com Isabel Vaz, atual detentora da marca e seu segredo, oriunda de Mogadouro e estabelecida em Alcañices. Contou-me que a receita tem mais de cem anos e que nunca saiu daquele local e daquela família. Cabe-lhe a ela a continuação da confeção daqueles bolos, bolinhos, e que se mantêm fiéis à receita original.

 

 

 

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Prato com 4 Borrachos

Em Portugal também temos uns bolinhos “Borrachos” que podemos encontrar na Beira Baixa ou no Alentejo. Nas Beiras, e segundo receitas publicadas por Maria Odete Cortes Valente, com variações em Alpedrinha, Cebolais e Vila de Rei, são uma massa com farinha vinho branco ou aguardente e vão cozer no forno. No Alentejo uma receita de Maria Antónia Goes, com farinha, sumo de laranja, vinho branco, banha de porco e açúcar e canela numa massa que depois de tendida e cortada vai a fritar. Em Trás-os-Montes os “Económicos” também se podem chamar “Borrachões” quando é aumentada a dose de aguardente. Temos ainda “Borrachões” na Beira Baixa que são feitos a partir de uma massa embebedada que depois se coloca, em forma de ferraduras, a cozer ao forno. No Alentejo também temos “Borrachões”, mas a massa vai a fritar e depois polvilha-se com açúcar e canela. Nada que se pareça com os “Borrachos” de Alcañices, que valem bem a viagem. Desta vez a minha viagem foi ainda melhor pois tive a companhia da minha Amiga Alexandrina Fernandes das marcas “A Montesinho” e “Bísaro”.

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

Pasteleria Isabel G. Vaz
Reposteria Tradicional Alistana
Plaza Mayor, 12
ALCAÑICES

TL 00 34 980 680 08

 

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