Os Segredos de Bem Comer

Hoje irei escrever sobre um livro curioso que adquiri num alfarrabista há vários anos e colocado perto da minha mesa de trabalho para o divulgar. Tropecei logo numa grande dificuldade: saber o nome da autora pois o livro está assinado com o pseudónimo Madon. Esta questão foi ultrapassada algumas semanas depois de o adquirir pois não consta na lista de pseudónimos do Dicionário de Pseudónimos e Iniciais de Escritores Portugueses, publicado pela Biblioteca Nacional em 1999. Por sorte, e através do local onde comprei o livro deram-me a informação de que Madon é o pseudónimo de Marie Magdeleine Corte de Candemberd Morales de los Rios.

Trata-se de uma edição da autora e publicado em 1957, não tendo obtido informações importantes sobre este livro e a quantidade de exemplares que foi editada.

Eis a capa:

 

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Capa

A primeira página do livro é a transcrição, em francês dos mandamentos gastronómicos que “ainda se mostram nas boas cozinhas da velha França” e que aqui apresento, em francês, digitalizado do livro:

 

 

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Primeira página

 

O que mais me entusiasmou foi o “Prefácio” que logo no primeiro parágrafo pode ler-se: “Todos na minha família eram Gourmets e foi nesse meio que nasci e cresci. Portanto, vivi numa atmosfera de boa cozinha, aquela que não é só um vulgar modo de alimentar o corpo mas sim uma arte de alimentar o espírito.” E continua a explicar como foi educada: “em nossa casa a cozinheira, que era sempre um cordon bleu, não era tratada como uma vulgar criada mas sim com a consideração devida ao seu alto cargo, mas, se por acaso não estava preparado como devia ser, meu pai ameaçava deitá-la pela janela juntamente com a sua infame mixórdia.”

O discurso segue com a informação que os mandamentos da primeira página eram seguidos em sua casa que queria significar “todas as casa das antigas famílias da velha França onde, agora, que as cozinheiras quase não existem, cada dona-de- casa deverá ela própria tornar-se num condon bleu.”

E para justificar a publicação deste livro escreveu: “É nesta ordem de ideias que reuni neste livro algumas receitas dos melhores pratos que me lembro de ter comido em casa de meus pais, … e mesmo nas tão conhecidas e reputadas auberges da frança, para assim poder ajudar os gourmets sem muitas posses, os jovens ménages que contam as moedas e todos os gastrónomos para quem, satisfazer o paladar está primeiro do que … encher a barriga.”

O prefácio contém outras afirmações curiosas, e afirma ainda: “Este livro contém pouco da cozinha vulgar que cada um sabe fazer sem mesmo ter aprendido, … Esforcei-me para por ao alcance de todos, de uma forma económica e simples, os pratos habitualmente considerados caros e complicados.”

Ainda para terminar cita uma frase de Pasteur: «Le vin est un aliment; buvez du vin» (O vinho é um alimento, bebam vinho). Eu vou afirmando que bebendo vinho o alimento nos sabe melhor!)

Vejamos as receitas, pela ordem como aparecem no livro, que nos levam para denominação à portuguesa:

 

 

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Linguados à Portuguesa

 

 

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Salmonetes Panados à Portuguesa

 

 

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Porco à Alentejana

 

 

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Ervilhas à Portuguesa com Ovos e Paio

 

 

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Favas à Portuguesa

As três primeiras receitas chama-se à portuguesa, claramente, por levam tomate na sua confeção. Esta denominação “à portuguesa” foi instaladas pela forma redutora como Auguste Escofier (1846-1935) nos classificou. Aliás logo na primeira edição, 1902, do seu Le Guide Culinaire, toadas as receitas com essa denominação era porque continham tomate, produto que curiosamente chegou tardiamente a Portugal. Mas possivelmente se terá inspirado no Dictionnaire Universel de Cuisine Pratique, 1883 a primeira edição, elaborado pelo extraordinário Joseph Favre (1849-1903) e tão pouco conhecidos pelos portugueses.

Mais uma obra curiosa que partilho.

© Virgílio Nogueiro Gomes