TEMPURA
Já todos ouviram falar, mas tem-se escrito muito pouco sobre esta forma de cozinhar. Todos também referem a sua origem na influência dos portugueses no Japão, mas também a sua história anda muito fugidia.
Nos relatos das Descobertas são poucas as referências aos locais administrados pelos portugueses e em particular o Japão que foi o destino que mais cedo saiu da governação de Portugal. Texto importante foi escrito por Fernando Castelo-Branco, no livro A expansão Portuguesa e a Culinária, Petrogal, Lisboa, 1989, e dedicou um pequeno capítulo ao Japão no qual se pode ler: “À excepção da «tempura» e do «sukiyaki» na repulsa que provocavam os pratos japoneses a Ferreira de Castro, terá talvez explicação nas suas origens. A tempura surge-nos como uma especialidade japonesa. Assim, por exemplo, no livro de Jacki Passmore Asian-Cookery in Colour, encontramos a sua receita no capítulo dedicado ao Japão e sobre a epígrafe de «mariscos e vegetais fritos». Mas é um prato cuja origem é portuguesa.”
Tempura de camarão e legumes
Maria Antónia Goes, no seu livro Dicionário de Gastronomia, Colares Editora, 2005, escreveu sobre tempura: “Japão – prato de peixes ou mariscos envolvidos em polme e fritos, palavra herdada do português, no séc. XVI: das Têmporas, dias de magro, em que os missionários recomendavam que comessem só peixe ou mariscos.” No livro Do Comer e do Falar… Vocabulário Gastronómico de Ana Marques Pereira e Maria da Graça Pericão, Relógio D’Água, 2015, para o termo tempura podemos ler: “Método japonês de preparar os alimentos que são passados crus por um polme leve, feito com farinha, ovos e água, e fritos em seguida; foi introduzido no Japão pelos portugueses no século XVI.”
Continuando com referências, em língua portuguesa, no Dicionário-Almanaque de Comes & Bebes, de Cláudio Fornari, Editora Nova Fronteira, 2001, encontramos a seguinte definição: “Peixes, frutos do mar e vegetais empanados em farinha de trigo e fritos na gordura muito quente. Embora seja destaque da cozinha japonesa, é tão nipônico de origem quanto o croissant é francês. Por volta de 1550, este preparo foi levado pelos portugueses ao Japão, quando ainda não existia naquele país nem o costume nem a técnica da fritura.”. No Dicionário de Gastronomia de Myrna Corrêa, Matrix, 2016, apresenta uma fórmula diferente: “Origem: Japão. Prato de peixes, frutos do mar e vegetais passados por massa de fritura feita de ovos, farinha e maisena, sal e água, com resultado crocante. A palavra é herdada da língua portuguesa. Fazia alusão, no século XVI, ao período de Páscoa (Temporas), em que os cristãos não podiam comer carnes, alimentando-se de peixes ou camarões fritos.” Maria Lucia Gomensoro e Patrícia de Gomensoro, no recente Pequeno dicionário de Gastronomia, Senac RJ, 2023, dispõem do seguinte texto: “Preparo japonês de vegetais, cogumelos, peixes ou frutos do mar recobertos com fina massa de farinha de trigo, água gelada e ovos, fritos em gordura quente. … A origem do preparo e do nome do prato está ligada `a religião dos europeus. Em 1540, os primeiros europeus chegaram ao Japão, onde ficaram até 1638, quando, com exceção dos holandeses, foram expulsos das ilhas. Muitos deles eram missionários católicos portugueses, que, no período das Têmporas – dias de preces especiais e jejuns recomendados pela igreja católica aos fiéis em quatro semanas diferentes do ano -, comiam apenas peixes e crustáceos empanados e fritos. Os japoneses absorveram o modo de preparo e o incorporaram à sua culinária sobre o nome de tempura.” Curiosamente os brasileiros adaptaram esse termo para «tempurá».
Tempura de camarão
“Nuestros hermanos” também referem a esta prática no Diccionario de alimentación, gastronomia y enologia, de Ginés Vivancos Sámper, Everest, Leon, 2003, com uma descrição da técnica culinária e depois “…. Este método de «rebozado» (método de cobrir um alimento com um polme) foi ensinado aos japoneses pelos primeiros missionários portugueses que chegaram ao país no século XVI.O seu nome vem da expressão «ad Tempora», quer dizer a Quaresma e os tempos de jejum.”
Vejamos agora o que escreveram alguns estrangeiros. Jean Vitaux e Benoît France, no Dictionnaire du Gastronome, PUF, Paris, 2008, para o termo tempura: “Modo de fritura ligeira. Palavra japonesa. A fritura foi trazida pelos navegadores portugueses para o Japão no século XVI. Então confinados em Osaka e sob as ordens do shogun Tokugawa Ieyasu, o seu modo de cozinhar expandiu-se por todo o Japão, e no início a tempura, mas também o yakitori. A tempura japonesa é, pois, a adaptação pelos japoneses da fritura portuguesa. Por um singular regresso das coisas, a tempura invadiu as nossas mesas na segunda metade do século XX. É um belo exemplo da mundialização com duplo sentido.”
Tempura de feijão-verde, "Peixinhos da Horta"
No Canada, no livro The Cook’s Essencial Kitchen Dictionary, de Jacques L. Rolland, Robert Rose Inc., Ontario, 2004, pode ler-se: “Tempura – do português «temporras», que significa sexta-feira, para significar o dia durante o qual se comia peixe. Missionários jesuítas portugueses introduziram no Japão o conceita e técnica de fritar e líquido produtos em polme em 1585.”
Também Alan Davidson, no seu The Oxford Companion to Food, Oxford University Press, 2014, escreveu um longo texto sobre tempura. Assim: “Tempura – nome dado no Japãoa peixe ou legumes fritos com uma massa leve, em pedaços de formato pequeno. … A história da tempura faz-nos recuar 400 anos, ao tempo em que os missionários portugueses chegaram ao Japão. A palavra tempura significa Dias de Têmporas, quando a carne não era comida. É possível que os missionários sugerissem para esses dias peixes e vegetais preparados mais a seus gostos, fritando com um polme, e os japoneses adotaram a técnica e o nome.”
É comum dizer-se que a tempura deriva da palavra “tempero” o que não me parece mais certo pois a tempura não tem temperos…! Possivelmente um do melhores preparos que temos na cozinha portuguesa serão os “peixinhos da horta”.
Tempura de feijão-verde, "Peixinhos da Horta"
Um dos restaurantes mais associados às preparações de tempura é o “Tempura Kondo”, em Tóquio, do chef Fumio Kondo com 2 estrelas Michelin. Em 2017 publicou um livro sobre tempura e suas variante que em 2018 a Gradiva publicou em Portugal e traduzido por Hitoshi Kawauchi, que elaborou um pequeno texto de abertura iniciando com a possível explicação da palavra tempura: “Pessoalmente, penso que o termo é português e a sua origem é a palavra “tempôras”, pois “tempero” não teria sentido. … Reza a lenda que uma certa vez, ao passar pela casa de um jesuíta português, um japonês observou que aquele estava a preparar uma fritura de legumes (peixinhos da horta). Ficou curioso, já que os portugueses comiam mais carnes que legumes, ao que o português terá respondido «porque estamos em têmporas» sendo esta a origem da palavra «tempura».” O livro dá várias receitas e com algumas variações de tempura.
No invulgar Tratado das Contradições e Diferenças de Costumes entre a Europa e o Japão, do jesuíta Luis Frois, de 1585, encontramos referências importantes. Nunca é citada a tempura mas tem no capítulo VI "Do modo de comer e de beber dos japões" várias comparações e cito apenas esta dedicada a peixes: "Entre nós é estimado o peixe frito; eles dele não gostam e folgam com limos fritos do mar".
Se a introdução da tempura no Japão decorreu na “primeira” grande globalização, a atual prática e divulgação deve-se seguramente à atual globalização galopante desde meados do século XX.
Bom apetite!
© Virgílio Nogueiro Gomes
Peixinhos da Horta, com polme atual