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Título: Códice de Sabores Português

Autor: Fátima Iken

Editora: PRIME Books

ISBN: 978-989-655-397-5

Em boa hora decidiu Fátima Iken estudar a obra de Maria Emília Cancella de Abreu e defender este trabalho em graduação universitária. Melhor ainda transformar esse estudo em livro. Após o encerramento da revista Banquete, 1974, surgiu o livro “Tesouros da Cozinha Tradicional Portuguesa”, 1984, cujo conteúdo culinário é da autoria de Maria Emília Cancella de Abreu, e depois o livro “À volta da mesa”, 2004, com receitas escolhidas, em edição póstuma. Lamentavelmente pouco se tem escrito ou divulgado sobre a sua obra. Agora ficam evidenciados outros aspetos relevantes para além da apresentação de receitas. Maria Emília Cancella de Abreu partir cedo e muito antes do que poderíamos esperar!

A grande contribuição deste livro é apresentar a obra de carater gastronómico, termo raramente utilizado nos anos 60 e 70, a grande defesa das nossas tradições alimentares, e ainda evidenciar os nomes e a cara dos chefes que naquele tempo confecionavam receituário regional e nacional.

Fátima Iken transcreve um texto de Maria Emília Cancella de Abreu que pela sua importância, e que mostra o papel da revista Banquete, que eu também transcrevo: Um verdadeiro gastrónomo não é só aquele que frequenta restaurantes caros e luxuosos. É também o que conhece cantos da terra onde vive, o que se dirige por vezes a um restaurante bem modesto para comer um determinado prato ou beber um vinho especial. Não é o que vai ao restaurante X mas o que vai saborear um determinado pitéu especialidade da casa. (Banquete 4 junho 1960) Este é um dos aspetos importantes que são evidenciados. A revista Banquete não era uma revista de receituário elitista ou sofisticado. A culinária apresentada era uma mostra de muitas tradições populares que que poderiam chegar a todas as mesas. Como exemplo temos uma secção que se chamava “Petiscos da Nossa Terra”. Mais, a revista permitia que, ao folheá-la era mergulhar na história recente de um país. Fátima Iken escolheu uma coleção de receitas portuguesas para demostrar aquela afirmação. Não pensem, no entanto, que este livro é um livro de receitas. Tem receitas, de facto, mas como ilustração do texto. E, já agora, é bom escrever que Maria Emília Cancella de Abreu confecionou todas as receitas. São, portanto, receitas que se podem preparar hoje em dia em casa.

Fátima Iken escreveu muitas frases que me apetecia ser eu a escrever. Confirmando o mérito da sua escrita transcrevo: a diretora da revista Banquete terá sido a primeira voz pública, nessa época, a rebelar-se contra esta renúncia da gastronomia portuguesa... Esta obra vem, de certo modo, interromper um esquecimento indigno e iníquo na história da alimentação em Portugal... critica o facto de ainda em 1964 haver o pretensiosismo de escrever ementas em francês...

Outro mérito da revista Banquete foi dar espaço a críticos, raros, de gastronomia ou de restaurantes dos quais se deve salientar Daniel Constant e Luis de Sttau Monteiro. E estes, ou os seus escritos, nunca foram devidamente estudados e mereceram também um lugar de destaque da crítica nos anos 60 e 70.

A autora deste livro estudou de forma criteriosa a atividade de Maria Emília Cancella de Abreu e conseguiu escrever o que se poderia chamar a sua biografia à volta das suas atividades enogastronómicas. Mas o seu maior mérito foi evidenciar aspetos fundamentais das suas atividades, mostrar como foi pioneira e avançada para o seu tempo. Quem ler o texto com as transcrições, parece-lhe que foram escritas agora de forma tão atual como se situam. No editorial da Banquete 37 (março de 1963, p. 3): o que se passa em muitos restaurantes portugueses onde adulteram os nomes dos pratos que confecionam sem qualquer respeito pelo nome de batismo, chamemos-lhe assim, são verdadeiros troca-tintas da culinária.

Tive a sorte de conhecer e conviver com Maria Emília Cancella de Abreu. Sinto-me, ainda agora, um privilegiado pelos conhecimentos que adquiri com essa convivência e pela sabedoria espontânea que ela partilhava. Tinha o dom de orientar a conversa de acordo com a plateia que a ouvia.

Mas Fátima Iken merece os elogios por ter escrito esta obra. Relembrar uma época que foi determinante para a assumir que a alimentação, os vinhos, os artistas da cozinha e os produtos são cultura, e elementos diferenciadores de uma nação. A elegância da escrita, e a procura seletiva de citações da revista Banquete deixa-nos uma obra obrigatória para a história da alimentação em Portugal no século XX.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Este texto é parte do Prefácio por mim escrito.

O livro já está nas livrarias e também pode ser adquirido através da editora PRIME Books