Ora-pro-nobis

 

 

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Não esperem que vos descreva alguma cerimónia religiosa onde, repetidamente, se diz, ou canta, ora pro nobis, “rogai por nós”! Pois vou escrever sobre um vegetal extraordinário facilmente encontrado em Minas Gerais e também, na Amazónia do Brasil e que se chama assim. A sua fama aumentou, pois, recentemente se constatou a sua fama milagreira em curas difíceis de anemia, surgindo então como um superalimento proteico.

Esta crónica era para ter sido escrita há um ano, mas achei que me faltavam informações, as fotos não eram brilhantes e foi-se arrastando no tempo, com alguma preguiça, e só agora será divulgada.

 

 

 

 

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Segundo o livro “Plantas Alimentícias Não convencionais (PANC) no Brasil, de Valdely Ferreira Kinupp, 2014, com reimpressão atualizada em 2015 aparecem três entradas para esta planta:

- O “Pereskia bleo”, também conhecido como ora-pro-nóbis-amazônico, cariru-de-espinho, e cacto-de-folha, é um cacto arbustivo até arbóreo, perene, ereto, ramificado, com ramos verdes providos de muitos espinhos aguçados, de 2-8 m de altura, nativa na floresta da América Central. Como o seu nome indica é fácil encontrar na Amazónia, com folhas simples e com nervuras bem marcadas. Apresenta uma flor grande e alaranjada. Surge de forma espontânea e muitas vezes com a função paisagística e formando barreiras defensivas ornamentais. Tem uma vasta aplicação culinária tanto as folhas como as flores e os frutos, e reconhecidas as suas aplicações medicinais. A sua propagação pode ser feita com ramos que se enraízam facilmente.

- O “Pereskia grandifolia”, também conhecido como rosa-madeira, ora-pro-nóbis, rosa-mole, e groselha-da-américa, é um arbusto grande ou arvoreta suculenta, de folhagem decídua no inverno, muito ramificada, epinescente, de 3-5 m de altura, nativa no Nordeste, Sudeste e Sul (exceto Rio Grande do Sul, onde é apenas cultivada) do país. Tem uma fixação noutras regiões fora da Amazônia, apresenta folhas simples, pecioladas e de tecido espesso semi carnoso. Tem flores mais pequenas e róseas, e frutos em forma de bagas. O seu consumo é particularmente a folha podemos também preparar culinariamente as flores e os frutos. Sugere a tradição que não se consumo em períodos continuados, mas alternados.

- O “Pereskia aculeata”, também conhecido como ora-pro-nóbis, lobrobô, lobrobó, carne-de-pobre, mata-velha e guauapá é um arbusto semilenhoso, perene, muito epinescente, de remos longos, escandentes e ramificados, que se fixa nos apoios que encontra como trepadeira, nativo no Sul, Sudeste e Noroeste do país. É fácil de encontrar no estado de Minas Gerais e eu comi em Belo Horizonte e em Ouro Preto. Tem folhas simples, curto pecioladas, de lâmina elíptica, plana, de textura carnosa, glabra, de 3-8 cm de comprimento, e flores pequenas brancas. Tanto as flores como as folhas e seus frutos são comestíveis e com várias utilizações culinárias. A sua propagação é relativamente fácil por estancaria e também por sementes.

 

 

 

 

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Esta crónica é uma homenagem ao ora-pro-nóbis mineiro que me encantou e me levou a querer saber mais. A sua denominação do gênero “Pereskia” relaciona-a com o botânico francês Nicolas-Claude Fabri de Peiresc, e o termo “aculeata” significa dotado de espinhos. Consta que o nome popular da planta, terá sido dado por pessoas que colhiam as suas folhas no quintal de um padre, enquanto ele rezava uma ladainha, cujo refrão, Ora pro nobis, era repetido a cada santo ou função invocado.

As folhas e flores são produtos para diferentes receitas de sopas, omeletes, tortas e refogados, e guisados ou simples cozidos. O ora-pro-nóbis é muito utilizado nas preparações culinárias das cidades históricas do estado de Minas Gerais.

Cruas, as folhas podem ser consumidas em saladas, e quando desidratadas e reduzidas a pó, ajudam a enriquecer farinha usada na confeção de massas e pães. As folhas são ricas em proteína e com alto teor de digestibilidade; por isso conhecida como carne de pobre. São ricas em vitaminas A, B e C, ferro, magnésio, cálcio e fósforo.

Acredita-se que o cultivo em larga escala, com processamento industrial, do ora-pro-nóbis possa vir a provocar uma verdadeira revolução nos recursos alimentícios da humanidade, tendo em vista a facilidade do cultivo, a alta produtividade e o valor nutricional da planta, que serve também para alimentação animal, in natura ou adicionada à ração, segundo João Félix Vieira, em “Ora-pro-nóbis – a carne dos pobres”, 2007.

As folhas, que poderão parecer rijas, em contacto com o calor reduzem significantemente parecendo espinafres, que deverão ser bem escorridas. O sabor característico não é amargo nem tem elementos dominantes assemelhando-se a outras verduras como algumas folhas verdes, ou couves. Tive a oportunidade de comer a primeira vez como ingrediente de “costelinha suína”, depois em várias preparações de tacho, que por vezes chamam de “cozido”, mas, de facto, é um estufado.

 

 

 

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Encontrei folhas à venda no encantador, e de visita obrigatória, Mercado Central de Belo Horizonte, e ainda em pequenas bancas de fim de semana na avenida de Tiradentes ainda em Belo Horizonte. Depois de lhe apanhar o gosto sempre que na lista dos restaurantes apareciam preparações com ora-pro-nóbis aí recorriam as minhas escolhas. No restaurante Xapuri deliciei-me com folhas de ora-pro-nóbis servidas como guarnição ou acompanhamento.

O Brasil tem uma biodiversidade alimentar invejável. Não se entende porque no Ceará somos massacrados com o “brocolis” (nome brasileiro para brócolos) omnipresente e, por vezes, o único verde confecionável.

 

 

 

 

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Salteado em frigideira

Mas a história de sucesso do ora-pro-nóbis é contada no livro “O Pompéu do Ora-pro-nóbis em Prosa e Poesia” de Silas Fonseca, Estrela da Manhã Editora, Sabará 2010. Segundo o autor, a sua família foi surpreendida pela proposta de negócio para criação de patos marrecos. Não tendo corrido como previsto, numa fase em que havia muitos marrecos e pouco dinheiro para os alimentar, a mãe do autor (conhecida pelos seus dotes culinários) é convidada a participar no I Festival de Cachaça de Sabará, 1986, vendendo os seus famosos marrecos com ora-pro-nóbis. No primeiro dia, e antes que terminasse a festa, tinha os tinta marrecos vendidos. … enquanto houve festival a barraca de D. Maria estava lotada. Na propriedade ter-lhe-ão restado uma centena de marrecos que foram bem engordados para o Festival Cultural da cidade tendo o Prefeito, pessoalmente, disse à minha mãe que ela não poderia faltar com o seu ora-pro-nóbis com marreco. Claro que foi um sucesso e no final já a receita era preparada com frango por falta de marrecos. Com esta visibilidade a varanda da casa transforma-se, aos fins de semana, em verdadeiro restaurante. Seguidamente a família instala o restaurante “Moinho D’água” que se transformou num grande negócio. Por decisão do Prefeito Wander Borges, 1997, inicia-se o Festival do Ora-pro-nóbis que aumenta de ano para ano.

Viva o Ora-pro-nóbis! Bom Apetite!

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

 

 

 

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