Acabar bem o ano, e com a qualificação de mais um produto transmontano, é mais um motivo de alegria e orgulho. Desta vez foi o “Cordeiro mirandês ou Canhono mirandês” como DOP, última vedeta da qualidade dos produtos transmontanos. Curioso como usa a designação “canhono”, linguagem local que antigamente era usado só no feminino para significar cabra velha ou outro ovino de idade avançada. Este “Cordeiro Mirandês” é um ovino de Churra Galega Mirandesa e abatido até à idade de quatro meses, nascido e criado num sistema de exploração extensivo tradicional. Uma nova oportunidade para a excelência dos produtos transmontanos.
Claro que irei escrever sobre os produtos da alimentação que levam a critérios de classificação, necessários pelo invasão permanente de novos produtos e seus sucedâneos, e também por uma crescente e deficiente educação do gosto. Quando eu era criança e vivia em Bragança, até os meus dezoito anos, estas questões não se levantavam. Nesses tempos, e quando se ouvia falar de produtos transmontanos, isso significava qualidade, uma garantia de autenticidade no seu melhor. Tudo tinha o seu gosto, e seu sabor. Depois tudo se multiplicou e o significado deixou de ser o mesmo. Apesar de Trás-os-Montes ter mantido um certo isolamento que lhe garantia alguma segurança, Bragança até há muito pouco tempo era o único distrito que nem de um centímetro de autoestrada dispunha. Os tempos mudaram e também a nossa terra foi alvo de uma invasão de produtos novos e, quanto deles, sem grande valor alimentar. Mas são as irresistíveis modas! E, acrescente-se, as facilidades, a rapidez…
Por isso continuo afirmar constantemente que tive a sorte de crescer e ser educado na província. Não se questionava a qualidade, termo quase inexistente nesse tempo, de um produto natural, ou de um presunto, ou de um enchido pois conhecíamos a sua origem Quase conhecíamos as galinhas que punham os ovos que comíamos. A sua autenticidade era uma obrigação e de incontestável valor.
O crescimento da população, e a inversão do hábito de comer fora de casa, levou a que a dimensão de alimentos em circulação aumentasse exponencialmente. Daí a necessidade de classificar os alimentos de acordo com a sua origem e definição das caraterísticas de cada produto. A famosa qualificação. A qualificação, ou definição de qualidade, foi criada em meados do século passado para produtos industriais, e passíveis de certificação. Ora, para produtos perecíveis e muitas vezes fruto da explosão da Natureza, os processos pareciam impossíveis. Nós, transmontanos ou um produto nosso, já tínhamos sido percursor para o mundo ao definir as qualidades do Vinho do Porto. Esta definição foi possivelmente o primeiro exemplo para garantia do produto genuíno e com as suas características, ao seu destino, uma exigência do mercado inglês na segunda metade do século XVIII, que definiu também a primeira região de marcada de produção (1757), dando origem à conhecida Denominação de Origem Controlada (DOC). E foi essa exigência, e o seu cumprimento, que garantiu ao Vinho do Porto a posição de excelência nos mercados mundiais.
Mas vamos voltar aos produtos alimentares mesmo quando estes, sendo acompanhados por um vinho, saberem sempre melhor. O vinho não serve para tirar a sede. A água é sempre a melhor bebida para essa necessidade. O vinho deve deixar-se para servir de complemento ideal dos alimentos. Temos os Vinhos do Porto DOP, os vinhos do Douro DOP e os Vinhos Regionais de Trás-os-Montes. Da mesma forma que fomos invadidos por novos produtos alimentares, e que muitos falsamente alimentam bem, particularmente provocado por grandes economias mundiais, é agora desses países, especialmente dos Estados Unidos, que surgem autores como Michael Pollan que nos dá conselhos como: “Coma Comida”, “Não coma nada que a sua bisavó não achasse que era comida”, “Se lha entregarem pela janela do carro, não é comida”, “Quando mais branco o pão, mais depressa pró caixão”, e estes conselhos, e outros mais, constam de um livro extraordinário já publicado em Portugal com o título “Saber Comer”. Estes conselhos poderiam parecer um absurdo no tempo em que eu vivia em Bragança, e quando provava, petiscava, os presuntos, com pão de centeio e vinho novo em Rabal, aldeia de onde era originário o meu Pai. E onde comia pão de chicha gorda…! E a comida das inesquecíveis férias em Montezinho.
A necessidade de evidenciar, com marca de qualidade, os produtos alimentares, ou os alimentos advém da proliferação de oferta desconhecendo-se a sua origem, a forma de produção e a quantidade de, por vezes, ter aditivos e outros produtos para fomento comercial. A partir do Ministério da Agricultura, e ajustados a programas europeus, é pois possível qualificar os nomes dos produtos autênticos e que mais garantias nos dão. E Trás-os-Montes e Alto Douro são ricos nessa lista. Para o Vinho não vou fazer mais anotações pela atitude percursora na nossa região, desde o Marquês de Pombal, e selo de garantia e denominação a que todos nos habituámos.
Um produto de excelência é o azeite. E um elemento transversal na cozinha portuguesa. Com a denominação de “Azeite de Trás-os-Montes”, DOP, anualmente vemos o nosso azeite premiado em concursos internacionais. Neste capítulo associado ao azeite temos a “Azeitona de conserva Negrinha de Freixo”, DOP. Sem critérios de ordem alfabética ou grupo de produtos vou tentar citar todos os produtos que têm já denominações reconhecidas. Sei que há outros produtos em percurso de qualificação, mas ficarão para outra oportunidade. Nas carnes começo pela “Carne Barrosã” - DOP, “Carne de Ovino Cruzado dos Lameiros de Barroso” - IGP, “Carne Maronesa” - DOP, “Carne Mirandesa” - DOP, “Cabrito do Barroso” - IGP, “Cabrito Transmontano” - DOP, “Borrego Terrincho” - DOP, “Cordeiro Bragançano” – DOP, “Cordeiro de Barroso” – IGP e “Carne de Bísaro Transmontano” – DOP. Temos a “Batata de Trás-os-Montes” – IGP, a “Amêndoa Douro” – DOP, “Castanha da Padrela” – DOP e “Castanha da Terra Fria” – DOP. As siglas DOP significam Denominação de Origem Protegida, e IGP Indicação Geográfica Protegida. Vejamos agora os produtos transformados, que todos conhecemos mas que mereceram o reconhecimento de qualidade: “Alheira de Barroso” – IGP, “Alheira de Vinhais” – IGP, “Butelo de Vinhais” – IGP, “Chouriça de Carne de Barroso” – IGP, “Chouriça de Carne ou Linguiça de Vinhais” – IGP, “Chouriça Doce de Vinhais” – IGP, “Chouriço Azedo de Vinhais” – IGP, “Chouriço de Abóbora de Barroso” – IGP, “Salpicão de Barroso” – IGP, “Salpicão de Vinhais” – IGP, “Sanguinheira de Barroso” – IGP, “Mel de Barroso” – DOP, “Mel do Parque de Montesinho” – DOP, “Mel da Terra Quente” – DOP, “Presunto do Barroso” – IGP, “Presunto de Vinhais” – IGP, “Queijo de Cabra Transmontano” – DOP e “Queijo Terrincho” – DOP. Só isto dá para nos encher de orgulho. Muito mais nomes de produtos estão em percurso para o reconhecimento legal de qualificação. Não vou aqui descrever os produtos atrás identificados. Os mais interessados poderão sempre ler a fichas elaboradas pela Qualifica – Associação Nacional de Municípios e de Produtores para a Valorização e Qualificação dos Produtos Qualificados, disponíveis no site QUALIFICA, que tem tido um trabalho relevante e meritório para mostrar, preservar e divulgar aquilo que é “nosso”.
Voltando um pouco ao início do texto, a evidência da origem dos produtos é cada vez mais um símbolo de qualidade. E já me habituei a encontrar em muitos restaurantes a designação da origem dos produtos e em especial para as cartas. Quantas vezes há pouca imaginação para mapas turísticos. Porque não fazer mapas dos produtos com as suas rotas? Mas a melhor promoção, destes produtos, é feita por nós próprios, assumirmos o seu consumo, e em particular melhorar a nossa autoestima manifestando, com o orgulho, o nosso prazer e entusiasmo por eles. Cada vez mais manifestar o prazer por aquilo que ainda é nosso.
E com estes produtos podemos não só ajudar a evoluir a nossa cozinha, como a desenvolver as pequenas economias locais e regionais. Só há boa cozinha com bons produtos. Aquele conceito de que se o vinho não é bom serve para vinagre está ultrapassado. Um mau vinho dá um mau vinagre. Eu tenho pena é que não se faça vinagre com Vinho do Porto e ver os portugueses orgulhosos ao comprar vinagre balsâmico de Modena. Recentemente deram-me a provar, em Lisboa, um bombom de chocolate com recheio de queijo Terrincho. Que delícia! Isto é evoluir e não criar roturas. Mas na cozinha não é preciso inventar novas receitas. Fazer bem, e evoluir o nosso receituário é uma arte, também.
Habitue-se a comprar alimentos e produtos alimentares conhecendo a sua origem. Porque não conhecer a galinha que pôs o ovo?!
© Virgílio Nogueiro Gomes
Foto de © Ana Preto