(Tarte de Castanha)
Já escrevi várias vezes apresentando o sentido dinâmico que é a cozinha. E pela necessidade que temos de ser alimentados sempre se desenvolveu a vontade de transformar essa necessidade num prazer. Ora, a alimentação, faz parte do nosso quotidiano, e com a evolução natural de tudo o que nos rodeia também a alimentação tem acompanhado os tempos. Com algumas paragens, algumas reflexões irrefletidas, e os receios das modernidades têm travado, por vezes, o reconhecimento dessa evolução. E, por vezes, com acusações receosas do futuro. Ninguém come como comiam os nossos bisavôs, cem anos depois…! O que aconteceu é que todas as tecnologias e a ciência, e em especial as formas de comunicação andaram, possivelmente, depressa demais, ou a um ritmo a que não estávamos habituados. Algumas modernidades têm o seu sentido nefasto, mas rapidamente podemos eliminar.
Na segunda metade do século XX, assistimos ao aparecimento de uma nova cozinha. Mas uma nova cozinha que era sobretudo bem pensada e decorria de uma aprendizagem da cozinha clássica e que se fazia evoluir. Os grandes chefes como Paul Bocuse, Jean e Pierre Troisgros, Fredy Giradet obtiveram os grandes êxitos fazendo evoluir a cozinha tradicional e regional. Depois Michel Bras, Santi Santamaria, Juan Mari Arzak, Fabio Picchi, ou Alex Atala, basearam-se nas tradições locais, ou nos seus produtos, para esta nova cozinha apelidada de renovada, revisitada ou reinventada. Inquestionáveis são as contribuições de Ferran Adriá para a consolidação de uma nova cozinha. Entre nós não podemos esquecer, entre muitos, o papel de Vitor Sobral, Fausto Airoldi, Miguel Castro e Silva, e ainda José Avillez. Sem criar roturas ensaiaram e apresentaram uma nova forma de cozinha portuguesa. Claro que assistimos a muita aventura e experiências sem futuro! E o futuro dirá o que ficou.
Tenho assistido a ímpetos de inventar uns novos pratos da cozinha portuguesa. Respondi sempre que seria melhor aprender a fazer bem os que já temos. Houve até iniciativas de contratar chefes para inventar receitas regionais…
TRANCOSO, através da Associação de Desenvolvimento do Nordeste da Beira, desafiou o Chefe Fausto Airoldi para, conhecendo a região, reinventar uma culinária local para os estabelecimentos de refeições poderem aprender e servir, com um ar mais moderno. Receitas ajustadas aos tempos de agora mas que a população se reveja naqueles pratos.
Terminado o inventário de produtos locais, verificadas as receitas mais confecionadas, e apresentado o trabalho à população, chegou a Lisboa a apresentação destes pratos e integrados numa refeição. Mais do que uma refeição, foi o prazer de assistir à prática de uma boa decisão. Sem roturas com o passado. Bem ao contrário: através do passado, construindo o futuro.
Fica aqui um desafio para conhecer Trancoso e a zona da Raia Histórica que ainda inclui também os concelhos de Almeida, Figueira de Castelo Rodrigo, Mêda e Pinhel.
Os produtos selecionados para este projeto foram: Míscaros, Castanha, Nabiças, Grelos, Espigos, Milho, Carne de Porco, Pão de Centeio, e Bacalhau. Um bom exemplo a seguir.
Eis os pratos que nos serviram no restaurante Spot S. Luis, em Lisboa:
(Pézinhos de porco guisados com ovos)
(Esturricado à Trancoso)
(Bacalhau assado sobre papas Labreças)
(Marrã à Trancoso sobre esmagado de batata torrada e espigos de grelos)
(Lombo de porco corado com alho e serpão sobre papas de míscaros)
(Estaladiço de carolos)
Bom Apetite!
© Virgílio Nogueiro Gomes