milho

“Colher o milho”

Ô, quem vai colher o milho

Com pai João

Levanta a saia e sai do salão

Ô, quem vai colher o milho

Com sinhá Maria

Trabalha de noite e descansa de dia

Da Bahia trago o vatapá

Na Bahia tem o canjerê

Da rendeira aqui do Ceará

Pai Oxossi, uma renda que fez prá você

Preto velho que é pai Benedito

A mandinga do filho curou

Dança preto, também dança branco, meu pai

Cativeiro de negro acabou

Ô, quem vai colher o milho… (repete refrão do início)

Preta velha, mãe Maria Conga

Seu rosário também já rezou

Vem dançando a preta com balaio meu pai

É uma ordem do rei dos nagôs

Na Bahia de todos os santos

Um tumbeiro também aportou

Com os congos, os fulas e os benguelas meu pai,

Os haussas, os mandingos e os nagôs

Ô, quem vai colher o milho…

© Geraldo Barbosa e Francisco José Barbosa, letra e música.

Vou aproveitar a divulgar a “Lôa” do Maracatu Rei de Paus de 2012. A “Lôa” é a canção do desfile dos grupos de maracatu, e que também se podem chamar de macumbas, como os seus solistas são apelidados de macumbeiros. E, em sequência de outras crónicas onde tenho abordado outras religiões, aqui se mantém esta questão da alimentação que é uma presença relevante em todas as religiões. Não vou abordar tentativas interpretativas, ou explicativas do poema. Apenas abordarei umas breves considerações sobre o termos assinalados no próprio poema. E mais uma vez, os alimentos, ou as tradições alimentares, obrigatórios do nosso quotidiano, e a contribuírem para a descoberta de outras culturas.

Sinhá, o mesmo que Senhora. Nome dado pelos escravos negros africanos às mulheres dos seus senhores.

Vatapá, é um dos pratos mais tradicionais da Bahia e identificados com a cultura afro-brasileira. Consiste numa papa de farinha de mandioca, feita com óleo de dendê e bastante pimenta. É incorporada tanto de peixe e marisco como de carne, designadamente galinha. Vários autores associam o vatapá à açorda portuguesa onde o pão é substituído pela farinha de mandioca e o azeite pelo óleo de dendê. Segundo Manuel Querino (1922) D. Pedro II era grande apreciador, e no palácio comia-se vatapá de peixe, de galinha, de porco e de bacalhau. Para Hildegardes Vianna, o “vatapá é uma iguaria de preparo simples – papa cozida no leite de coco e temperada com sal, cebola, camarão seco, pimenta e amendoim (facultativo). Para enriquecer o sabor, põem-se, todavia, pedaços de peixe (de preferência cabeça ou bucho de garoupa salpresa ou bacalhau), castanha de caju, gengibre, salsa e outros ingredientes que fogem à generalidade.”

Canjerê, o mesmo que feitiço em linguagem de terreiros.

O Ceará é rico em artesanato e, as suas rendas, são dos emblemas mais famosos ao lado das redes.

Oxóssi, orixá da mata, cujos detalhes podem ler na crónica anteriormente editada.

Mandinga, o mesmo que feitiço, despacho ou mau-olhado. Consta que os negros mandingas eram grandes e temíveis feiticeiros.

Balaio, o mesmo que cesto ou tabuleiro com frutas ou flores utilizados, com frutos celebrando a pujança da Natureza, como podem ser os utensílios de suporte para oferendas aos orixás.

Nagô, habitualmente designa os escravos negros oriundos da Costa dos Escravos, e que falavam ou entendiam o ioruba. No Daomé era nome dado pelos franceses ao iorubano. No Brasil mantiveram sempre grande prestígio social e de influência nas religiões, mantendo os seus ritos e tradições.

Ainda sobre o elemento alimentar central, o milho, todos conhecemos as grandes tradições tanto em Portugal, como em África ou o Brasil. É inegável que o milho é oriundo das Américas do norte e em especial do México, onde constitui um elemento fundamental da alimentação. Parece que os índios do Brasil já utilizavam o milho como produto alimentar, mais como guloseima do que base alimentar. Assim poderiam comer diretamente as massarocas depois de cozidas ou assadas. Parece também que os indígenas desenvolveram formas de confeção que deram a “canjica” e a “pamonha”. Os portugueses incentivaram o plantio em Salvador mas para servir de ração a animais. Posteriormente a cultura cresceu e, segundo Guilherme Radel, “no século XVII, o milho assume uma importância inesperada…”. De Portugal chegaram cada vez mais povoadores e certamente muitos com os conhecimentos das famosas “broas” na categoria de pão, ou nos tradicionais “milhos” (igualmente como doce) de Trás-os-Montes e do Douro, ou também do “xerém” do Algarve. Por outro lado, os portugueses já tinham levado o milho para Cabo Verde, Guiné e Angola onde ainda hoje se produz muita alimentação com milho. Quando chegaram os primeiros negros escravos ao Brasil, oriundos da Guiné, já conheciam o milho. Foi fácil, portanto, o milho ser alimento de dedicação em oferendas aos orixás. Em Portugal continua a dedicar-se uma atenção especial à recolha do milho, sendo as festas da desfolhada do Minho, a de maior visibilidade. O milho é Rei, quando surge vermelho, e a festa redobra.

Viva a Cultura do Maracatu!

maracatu

© Virgílio Nogueiro Gomes