Celebra-se a 3 de fevereiro o dia de S. Brás, e a ele associada existe uma tradição da região de Vila Real, Trás-os-Montes, em Portugal, de oferta de “ganchas”, rebuçado alimentar (no Brasil também chamado de Bala e, no Nordeste, também Confeito), de confeção caseira, relacionado com o milagre mais conhecido de S. Brás. Rebuçado é pois um doce caseiro feito à base de um ponto de açúcar ao qual se adicionam ervas e aromatizantes, que depois de arrefecer, endurece. Habitualmente embrulha-se em papel vegetal, outrora recortado. Já anteriormente escrevi sobre Rebuçados da Régua. Veremos, agora, como se mantém esta tradição das “Ganchas”.
O milagre que lhe deu mais fama foi o de ter retirado de uma criança, uma espinha de peixe que tinha na garganta, quase em agonia, sem utilização de nenhum instrumento. Por esta razão em muitas regiões do Brasil e também em Espanha e França é hábito, neste dia, levar as crianças às igrejas de celebrações em sua honra, para lhes benzerem as gargantas.
S. Brás foi bispo e mártir no século IV. Depois de bispo na Arméria, seu país natal, e com a perseguição aos católicos refugiou-se numa caverna isolado, fruto de uma mensagem divina que o aconselhava para tal, rodeado de animais selvagens que o protegiam. Tendo formação médica parece ter desenvolvido os seus conhecimentos de medicina natural enquanto esteve isolado. Uma vez encontrado foi levado para a Capadócia onde foi torturado com ferros em brasa e posteriormente decapitado. Pelo caminho terá conversado com um lobo que ajudou a libertar o porco de uma mulher, que depois passou a fazer-lhe visitas e levar-lhe comida às escondidas. O imperador tinha-o sentenciado a morrer à fome…! Como demorava em definhar o imperador acabou por mandar decapitá-lo. Recebia ainda a visita de outra mulher, a mãe da criança sobre a qual se tinha operado o milagre, de extração da espinha, e que lhe levava velas. Aliás as velas são uma das expressões de dedicação a S. Brás. Consta que para a bênção das gargantas se utilizam duas velas que são abençoadas, seguram-se ligeiramente abertas e colocadas de encontro à garganta do enfermo. Será então a bênção pronunciada.
S. Brás é então conhecido como protetor dos doentes da garganta, ainda padroeiro dos animais selvagens, e padroeiro também, dos veterinários. A sua representação iconográfica é a de um bispo com báculo, segurando em velas e muitas vezes frente a uma mãe com um filho ao colo, simbolizando o pedido de cura da garganta do seu filho. Existem relíquias de S. Brás na Alemanha, França, Croácia e Itália.
Vamos então às “Ganchas de S. Brás” doce oferecido também como resposta a outra tradição local, os “Pitos de Santa Luzia”. É curioso observar certas tradições populares enraizadas em crenças religiosas e que se profanaram com o passar dos tempos. Muitas vezes estas tradições também estão associadas a lendas fantasiadas com a imaginação de quem as constrói, ou desenvolve. A “Gancha” mais parece simbolicamente o báculo de S. Brás, do que um instrumento para retirar a espinha da garganta. Poderá, no entanto, a sua forma, estar mais associada a uma espátula ou zaragatoa, para fazer aplicações ou tratamento a uma garganta doente, como para tentar desobstruí-la de objeto inoportuno, na garganta entalado. Ora, são conhecidas, em simultâneo, as qualidades benéficas para a saúde oral do mel. Do mel, ou melaço, enriquecido com outros produtos, seriam feitos os primeiros tratamentos de medicina da garganta.
E então a 3 de fevereiro lá vão desfilando crentes pedindo que não sejam afetados por maleitas de garganta, rouquidões, afonias e vozes desafinadas de várias ordens. Os crentes não têm condição específica. De pobres a ricos, de eruditos a mais primários na cultura. O que importa é a fé de cada um. Segundo a tradição, dão voltas à Igreja de D. Dinis onde existe altar de S. Brás, e também voltas ao cemitério, às “arrecuas, sem dizer palavra para não entrar enguiço”, na recolha feita por Juvenal Cardápio. Ainda da mesma recolha constam os seguintes quadras que são acompanhadas por música: “Eu vou ao S. Brás, de cu para trás, comprar uma gancha, p’ró meu rapaz.””Eu vou ao S. Brás, de cu para a frente, comprar a gancha, p’rá minha gente”. “Eu vou ao S. Brás, de cu para o lado, comprar uma gancha, p’ró meu namorado”. Aqui fica um sentido mais lúdico da celebração.
Mas afinal o que é a “Gancha”? E qual a receita? A “Gancha” é um rebuçado que pode parecer um báculo episcopal, como um gancho. É feito a partir de um ponto de açúcar alto e adiciona-se gotas de limão e cada rebuçadeira terá os seus segredos de ervas aromáticas. À medida que a calda vai arrefecendo moldam-se as ganchas com as mãos, parecendo também, bengalas. Podem ser embrulhadas com papel, ou apenas colocar um lacinho próximo da curvatura.
Outras brincadeiras profanas lhes atribuem os mais atrevidos. Como resposta aos “Pitos de Santa Luzia”, que ficaram para a sua data.
© Virgílio Nogueiro Gomes