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(peixes que descobri mais tarde)

Antes de começar com os primeiros peixes que eu me lembro de comer, em idades de educar o gosto, e haver prática do seu consumo em minha casa, devo explicar, desde já, que bacalhau e polvo não eram peixes. A sua importância era tão grande, ou tão marcante, que estes dois produtos tinham direito a serem categorias autónomas e individuais que, naturalmente, se comiam antes das carnes. No seu livro “Trás-os-Montes à Mesa”, Isabel Gomes Mota, também curiosamente classifica o seu título de peixes com “Peixes e Bacalhau” como se este merecesse, de facto, uma identificação especial.

Naturalmente os primeiros peixes, que me lembro de comer, eram peixes do rio, apesar das espinhas nem sempre fáceis de separar. Talvez por isso sempre tenha embirrado com os talheres de peixe, e que continuo a não lhes reconhecer utilidade, a não ser uma certa elegância à mesa. E tudo começou com a truta. Que era pescada com anzol, e para especialista em ribeiros, à mão, que se procuravam nas suas grutas ou esconderijos. De vezes em quando as trutas chegavam em cestos de verga, em surpresa, para arrelia de quem tinha que as arranjar. As trutas depois de arranjadas e limpas ficavam em local fresco e eram sempre cozinhadas o mais rapidamente possível. Na grande maioria das vezes eram fritas na frigideira. Por vezes eram colocadas fatias finas de presunto entremeado, ao que se vem a chamar de “Truta à Transmontana”. Se a quantidade chegada era generosa, uma parte era submetida a fritura simples, e as trutas muitas vezes cortadas ao meio, e destinavam-se a consumir nos dias seguintes depois de serem abundantemente regadas com o molho de escabeche, que se preparava a partir do azeite onde se fritavam as trutas. Este molho era apenas feito adicionando vinagre e cebola cortada às rodelas, por vezes cenouras aos palitos, louro, pimentão, malagueta, sal e pimenta. Deixava-se apurar até a cebola ficar transparente. Molho simples e que ajudava a conservar os peixes que iam sendo comidos nos dias seguintes, muitas vezes como petisco ou entrada de uma refeição. Depois da truta ainda havia as bogas e os barbos que tinham confeção idêntica à das trutas. Por vezes, em passeio domingueiro íamos até à ponte do rio Angueira, onde uma “casa de pasto” fritava uns “peixinhos” que provocam alguma gulodice. Também aprendi a comer lampreia mas que nunca fui grande apreciador. Perdoem-me os fãs que são capazes de pagar altas quantias quando surgem as primeiras lampreias, mas nesta idade ainda não consigo ser apreciador, apesar de comer.

Mas agora vamos aos peixes do mar. Há um peixe que sempre me deixou surpreendido que é o congro. Porque chegava com tanta abundância a Trás-os-Montes? Porque se desenvolveu aqui uma tradição de consumo? Possivelmente pela gordura, possivelmente por ser um peixe pouco consumido na zona litoral onde há uma grande variedade, e portanto uma escolha mais fácil, de peixes, ou ainda porque Trás-os-Montes é longe e o congro tem fama de resistir fora de água e assim chegar mais fresco. Pois o congro era guisado, estufado, ensopado, e até de fricassé. Nunca encontrei outra região com esta variedade de preparações. Recentemente encontrei no restaurante “Traça” no Porto um prato de congro que me remeteu para a minha infância. Encontro mais tarde o “safio” particularmente em muitas caldeiradas. Depois do congro o peixe de mar que mais me marcou foi a pescada que recebíamos de Matosinhos e comíamos com regularidade em Zamora. As regiões raianas não precisaram da União Europeia para estas partilhas constantes. A pescada tinha fama de vir de Vigo. E sobre a pescada recordo como se fosse hoje, um episódio curioso. Um verão ficou em nossa casa um primo meu que quando ouviu falar de pescada para o almoço se apressou a dizer que não gostava. Em nossa casa fomos educados a nunca dizer acerca de um produto alimentar, não gostávamos. Ora a minha Mãe de imediato informou que o que iríamos comer não era pescada mas sim “presunto branco”. E ele comeu, gostou e quando regressou pediu à Mãe dele para lhe fazer o tal “presunto branco”. A minha Tia telefonou, intrigada, a saber o que era esse produto…!

Outro peixe que chegou cedo àquelas terras, de “transmontanices”, foi a sardinha, que apenas se comia no tempo quente, e a única preparação era na grelha, ou quando era mais pequena também se fritava. Chegava em barricas de madeira com muito sal. Sempre constou que esta prática se deveu à contratação para grandes tarefas agrícolas de “galegas” que exigiam peixe na sua dieta e a sardinha era o mais fácil e também o mais barato. Claro que o acompanhamento eram pão de centeio e uma salada com alface, tomate e pimentos assados. Aprendi a comer a sardinha, à mão. E com gestos delicados saía a pele por inteiro, e assim a sardinha poderia ensopar gulosamente o pão. No prato eram servidas com batata cozida. Aliás a batata cozida acompanhava todos os peixes.

O peixe foi sempre um produto de imposição de regras da Igreja. Na época Medial parece que haveria cerca de cento e trinta dias de jejum obrigatório… Depois foram aparecendo os outros peixes que até à década de setenta fui aprendendo em Espanha. Mais tarde pelo mundo e sempre curioso com os peixes de cada local visitado. Hoje aparece tudo em toda a parte e até os peixes, lamentavelmente, deixaram de ter épocas.

Quanto ao bacalhau e ao polvo, dedicarei crónicas independentes com a importância que estes produtos merecem.

Ah! Todos estes peixes sabem melhor se acompanhados com vinho.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Outubro 2011