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(Cerejas)

A maioria dos restaurantes portugueses apresenta invariavelmente, depois dos doces, a sugestão de “Frutas da Época” e depois algumas frutas “tropicais”. Mas a maioria dos clientes não come fruta, com pena para a saúde deles. Mas muitos por constrangimento de descascar a fruta com talheres ou o próprio receio de comer a fruta à mão, e que sabe muito bem. Apesar da menção “Fruta da Época” se manter, quem já inventariou as alterações conforme a época? Nas frutas da época aparece sempre a maçã (fruto simbolizando a queda do Homem pela proibição do seu consumo no Paraíso, ou por estar associada à beleza feminina), a laranja, a banana (sem ser a da Madeira), o “renascido” kiwi e o ananás. Independentemente da época. Acontece que com a melhoria dos transportes é possível hoje em dia receber todo o tipo de fruta de qualquer parte do mundo. Consequências da globalização no seu capítulo menos interessante. Mas essa fruta, para poder sujeitar-se ao transporte é, muitas vezes, colhida antes do seu amadurecimento completo. Por isso quantas vezes vem, logo atrás da fruta, o inevitável açúcar. Dever-se-ia criar uma regra de “recusa” de fruta quando esta necessita do suplemento para lhe conferir o sabor adocicado que naturalmente deveria ter. Segundo Silvia Malaguzzi, as frutas estão associadas ao “prazer do corpo, alimento do espírito”.

Quando me refiro à “fruta da época” relembro sempre que se deve comer a fruta produzida em Portugal rigorosamente de acordo com o ciclo da Natureza e ao qual, pelo menos os da minha geração e anteriores, fomos habituados. Está a chegar a época da cereja, fruto de representação muito antiga e simbolizando por vezes a Paixão de Cristo, fruto paradisíaco e muito apresentado em pinturas antigas. Atrativa, fácil de servir sem manuseamentos de retaguarda, apetece perguntar quantos restaurantes já previram rentabilizar esta “sobremesa”. Em períodos chamados de “crise” há muitas vezes oportunidade de refletir melhor a oferta e valorizá-la. Depois virá o morango nacional, muitas vezes pequenino mas muito mais saboroso. E quando está bem maduro o seu sumo, ou apenas golpeado, deixa marcas. E depois há uma coleção de frutos que são nossos como nêsperas, dióspiros, ameixas, pêssegos, uvas, romãs, amoras, peras, figos e tangerinas que raramente nos são sugeridos. E para os clientes mais difíceis, ou apenas constrangidos por não saberem descascar a fruta, ou um pouco de vergonha em comê-la à mão, há sempre soluções fáceis para provocar a sua venda.

Não me vou alongar em soluções para a cereja e morango. São possivelmente os frutos mais fáceis. As nêsperas podem ser servidas como as cerejas em taça com algumas pedras de gelo e comem-se à mão. Quanto aos dióspiros é mais complexo. É uma fruta com sabor mais delicado. Para servir, e quando estão muito maduros, pode o dióspiro ser colocado em chávena de chá ou taça a consommé, com o bico colocado virado para baixo, retira-se o pé e come-se com colher de chá a partir da abertura superior. Fáceis são as ameixas que podem ser servidas como as cerejas e também se devem comer à mão. Os pêssegos já são mais complicados pois a maioria dos clientes não costumas comer-lhes a pele. Neste caso na retaguarda e com faca de lâmina fina retira-se a pele e pode servir diretamente ou aos gomos eliminando o caroço. Os figos lá vão aparecendo mais como entrada acompanhados por fatias de presunto, mas raramente como sobremesa. Também podem ser pelados e servidos empratados. Os figos têm marcas fortes na história e na iconografia. Estão associados ao fruto do conhecimento, fecundidade e representa a doçura da virtude. Mas já a romã não me lembro de ver apresentada como sobremesa, raramente como suplemento em saladas e ligeiramente em pastelaria empratada. Talvez porque seja difícil de ser pelada ou extraída do seu invólucro. Uma vez em Istambul, e surpreendido com a quantidade de grandes taças de grãos de romã logo ao pequeno-almoço, perguntei como faziam abrir as romãs e ter tantos grãos. Simpaticamente levaram-me até à cozinha e fiquei surpreendido com a velocidade da operação. E sugerem-me que experimente: corta-se a romã a meio (deixando o pé voltado para cima) com uma faca de lâmina fina, depois coloca-se a meia romã com a face cortada voltada para a palma da mão e com o cabo da faca dão-se pancadas na pele da romã e os grãos vão caindo facilmente. A romã foi sempre um fruto muito representado na pintura desde os murais romanos às elegantes naturezas mortas da Renascença. Na sua origem mitológica o seu significado está associado a símbolo de fertilidade. Na era cristã transforma-se quase em alegoria da Igreja que acolhe no seu interior todos os seus fiéis. Ainda temos as uvas, fruto de máxima importância para a excelência dos nossos vinhos, e que também pode vir à mesa para terminar a refeição. Em miúdo, muitas vezes ao lanche comíamos um belo cacho de uvas e uma fatia de pão de mistura. A uva está sempre associada ao outono, simboliza a paixão de Cristo e sempre indispensável na arte da pintura.

Bem falta escrever ainda sobre muitas frutas como o melão ( que em minha casa se guardava os de casca de carvalho suspensos até à Passagem de Ano), a melancia (de que bebi uma vez na Índia um sumo inesquecível), a laranja ( que é uma fruta de inverno)e os frutos tropicais que vão aparecendo na restauração: manga, papaia e maracujá. Há ainda um pequeno fruto bem aproveitado no Açores Phisalis (de capote) e que aqui vai aparecendo a enfeitar algumas sobremesas.

Quanto ao Brasil, paraíso de frutas, é difícil estabelecer nalgumas regiões o que são frutas da época em consequência do clima, maravilhoso e que faz explodir a natureza em pujança de beleza e sabores. Já identifiquei as seguintes frutas que encontro nos seus mercados: acerola, ata ou pinha, atemoia, cajarana, caju, goiaba verde e madura, graviola, jaca, jenipapo, mamão (Formosa, Hawai, Coité, Rosa e Tamaraka), maracujá, murici, pitomba, sapoti, seriguela, umbu-cajá… e decerto ainda outras mais para descobrir.

Comam fruta pela vossa saúde, antes, durante ou depois da refeição. E recusem a fruta nacional que necessita de açúcar.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Maio 2011