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 (Os meus "afilhados" André Magalhães e António Bóia fazendo o seu juramento com pão e vinho)

Realizou-se dia 25 de Setembro de 2010, em Chaves, uma “Juntança Transfronteiriça” organizada pela Irmandade dos Vinhos Galegos e pela Confraria dos Enófilos e Gastrónomos de Trás-os-Montes e Alto Douro, cujo tema foi “A sexualidade dos vinhos”. O tema despertou, naturalmente, a curiosidade e expectativa de muitos, e mais ainda para os que já tinham tido a oportunidade de ter lido o artigo publicado na revista “bebes.comes” com o título “Vinhos femininos”.

O programa, e ainda integrado no ano da Biodiversidade, começou com a apresentação de várias comunicações. Para abrir, o Grão-mestre da confraria transmontana, António Monteiro numa intervenção clara, apaixonada, e esclarecedora tentou explicar o que, para ele, significa a classificação de um vinho feminino e de um masculino. Com a devida autorização do autor transcrevo: “Poeticamente, e porque me agrada a poesia que está em redor da produção vitivinícola, gosto de falar em vinhos com um traço mais feminino e outros de expressão mais masculina. … Associar um vinho a um rodopio sensual, é, para mim, o acto mais recompensador aos ideólogos da arte de fazer vinhos.”

Assim começou a sua intervenção. Transcrevo ainda outra parte significativa da sua lição na qual estabelece contribuições mais concretas para a classificação: “Quando falo em vinhos femininos, refiro-me a vinhos meigos e delicados, com subtileza no álcool e clareza na cor, nada cruéis na boca, sem demasiadas complexidades, suficientemente extravagantes e vaidosos, redondos e macios na descida, vinhos universais, apetitosos, fáceis de se beberem e que tenham como prerrogativa não apresentarem qualquer tipo de dificuldade à abordagem… São vinhos essencialmente brancos, maduros, verdes ou espumantes, raramente tintos, em que a madeira e a idade não lhe tenham criado embaraços. E à semelhança das mulheres femininas… estes vinhos serão naturalmente como elas – encantadoras nuances aromáticas ou detalhes de fina renda bordada. E o que poderá ser um vinho masculino? Neste caso, o teor alcoólico é o primeiro factor que comanda o arrumar desta orientação sexual do vinho; a robustez, a pujança no nariz, a teimosia na boca e a mania da perfeição, são outras características que podem influenciar esta possível alegoria. Serão, assim: vinhos atléticos, de taninos musculados, corpulentos, às vezes rústicos e feudais, tradicionalistas, muito mais longevos que os seu pares e que, quando bons, só tontos os beberão ainda jovens.” O texto continua e esperamos todos pela sua publicação na íntegra.

Seguiu-se uma intervenção pela Prof Dra Maria do Carmo Henriquez, da Universidade de Vigo, sobre o tema “Vinhos e género gramatical” que com detalhe, alguma graça irónica, deambulou pela etimologia da palavra e sequentes regras ou arrumações gramaticais do vinho, que na sua origem não era masculino nem feminino, mas neutro.

Em continuação ouvimos atentamente o Prof Dr Antoine Bailly da Université de Genève, e curiosamente também produtor de vinho da região do Valais, cujo tema foi “Vin et Sacré”, que pelo título se pode imaginar o relato ou a presença do vinho nos livros das religiões e o papel do vinho nos próprios cerimoniais.

Ouvimos ainda Nemesio Barxa Álvarez, Preboste da Irmandade dos Vinhos Galegos, que num discurso claro e animado, mostrou-se mais interessado em classificar os vinhos em bons e maus, sem ter preocupação em relação ao respectivo sexo. O seu discurso foi virado para a qualidade, o apuramento do produto final.

Tivemos a oportunidade de ouvir, sempre com as suas doutas palavras, o confrade Amadeu Ferreira, grande especialista de língua mirandesa, apresentar a nova Academia de Letras de Trás-os-Montes, da qual pertence à Comissão Instaladora.

Seguiu-se o cerimonial de confirmação de novos confrades e iniciação de outro, e que apenas refiro os meus “afilhados” António Bóia e André Magalhães.

Do auditório onde se realizaram estas actividades, partimos em “procissão” ao ritmo de gaita-de-foles e tambores, até à Adega Faustino onde nos aguardava uma prova de vinhos. Da Galiza: MADURO ESTÉVEZ, Arnoia, Ribeiro, AGAS DO TEMPO, Ribeiro, NAIROA, Arnoia, Ribeiro, CASTRO LOBOZAN, Metade sobre Lias, Monterrei, VINHA SOMOZA, Sobre Lias, DOM ELOY, Arnoia, Ribeiro, e TERRAS GAUDA, Rosal/Alvarinho, Rias Baixas. De Trás-os-Montes: MONTES ERMOS Branco Grande Reserva de 2005, RIBEIRA DE CORSO Branco 2009, QUINTA DE ARCOSSÓ Branco 29, MONTES ERMOS Branco Reserva 2009, LHÉNGUA MIRANDESA Branco 2009, MONTES ERMOS Rosé 2009, QUINTA DE ARCOSSÓ Tinto Reserva 2007, MONTES ERMOS Tinto Reserva 2006, PERSISTENTE Tinto Reserva 2007, RIBEIRA DO CORSO Tinto 2004, CASAL FARIA TOURIGA NACIONAL Tinto Reserva 2008, VALLE DE PASSOS Tinto 2008 e CASA DA PALMEIRA Tinto Reserva 2007. Depois da prova podia levar-se para a mesa o vinho de eleição de cada provador.

E então vamos ao almoço. Servido pela Adega Faustino, casa de tradição onde ainda encontramos nos comandos culinários a Dona Odete em excelente estado, nos seus oitenta anos. O almoço era de petiscos: “Sopa de Grelos com Castanhas”, “Empanada de Lacon con Grelos”, “Polvo em Salada”, Salada de Bacalhau”, “Orelha de Porco em Vinagrete”, “Moelas Estufadas” “Salada de Feijão-frade”, “Rim Salteado”, “Pasteis de Bacalhau”, “Vitelinha Salteada”, “Lombelo Grelhados de Vinha-d’alhos”… “Castanhas Fritas”, “Leite-creme”, “Aletria Doce”, “Rabanadas”, “Macedónia de Castanhas em Calda com Mirabeles”… Não devo esquecer a sempre preciosa colaboração de nuestro amigo Jose Posada, que muito contribuiu para o sucesso da "Juntança".

É forçoso registar a qualidade culinária desta casa. Coisas simples mas TUDO bem feito e utilizando produtos locais de categoria. Parabéns Dona Odete e a toda a equipa da Adega Faustino.

Imaginem quanto poderá apetecer entrar no carro para regressar a Lisboa…!

O programa não acabou aqui. Os mais corajosos rumaram para Celeirós do Douro (Sabrosa) onde os mais afoitos puderam entrar em lagares centenários e pisar sacras uvas para fabrico do nosso vinho, feminino ou masculino, e à escolha de cada um.

Bom apetite e privilegiem o consumo de vinho a acompanhar as refeições.

© Virgílio Nogueiro Gomes

Setembro 2010