Tenho escrito várias vezes sobre a problemática (?) da tradição e da modernidade, ou da continuidade de uma para atingir a outra. Costumo afirmar que a modernidade se entende melhor quando esta resulta, naturalmente, da evolução da tradição. A modernidade não tem que significar uma ruptura. Se acontece é sempre mais difícil a sua aceitação. Quando nos encontramos na fase evolutiva, esta sofre avanços ou recuos conforme as reacções das gentes ou das mentalidades correntes. E nesta época de grande e rápida comunicação, os chamados líderes de opinião tendem a impressionar maiorias. E a publicidade fará o resto. Na comida também.
Eu defendo muito este sentido evolutivo e tenho estudado a forma como muitas receitas foram evoluindo através dos tempos. Quando me insurgi contra a “alheira de bacalhau” não foi pela criatividade de uma receita nova mas pela apelação que lhe era atribuída. A “alheira de bacalhau” faz uma ruptura violenta contra o que é a essência da alheira tradicional. Portanto que continuem a fazer esse enchido mas não lhe chamem alheira. Claro que para dar opinião também me sujeitei ao sofrimento de comer esse enchido a que alguns, por brincadeira, chamam “bacalheira”. Defendo a experiência de quase tudo que é novo para poder ter opinião.
Estamos num tempo novo em que a estética também marca pontos. E pode ser apenas a apresentação. Mas não basta que a apresentação seja boa. O seu conteúdo é o essencial. Não basta que demos uma nova, ou moderna, roupagem a um produto. Se esse produto não for de qualidade, a roupagem cai em pouco tempo. Saber juntar as duas questões é muito importante. Cada vez mais adquirimos um produto pela primeira impressão, a visual. Quando o produto é confeccionado, e eu tive a sorte de ser educado a sentir os cheiros, o olfacto vem de seguida. Ora as novas gerações já não foram educadas a sentir os cheiros, que nos ajudam a salivar…! Nem aprenderam a entender os rituais da mesa enquanto elemento de convivialidade familiar.
Mas esta prosa toda para vos citar três manifestações de interesse para a promoção das coisas boas da nossa região. E para mostrar como o típico, ou descontraído, é por vezes inimigo da boa promoção. Eu defendo que estes eventos se são bons para os transmontanos, seriam melhores ainda se abertos ao grande público para ampliar o apetite para as nossas coisas. E depois a forma de apresentar esses produtos ou iguarias, e o critério de selecção dos apresentadores. E quero referir-me primeiro à apresentação do Concelho de Vinhais em Oeiras. A quem se destinava este evento? Aos transmontanos para matar saudades? À população de Oeiras? A grande Lisboa deu pelo evento? Confesso que fiquei decepcionado. Pelo local e instalações, e depois pela falta de critério em relação ao artesanato. Ainda não aceito muito bem os conceitos de “artesanato urbano” que tantas vezes se apregoa ou designação que serve para justificar tantas presenças. Ser “feito à mão” nem sempre se enquadra com artesanato de tradição. A presença de “Trás-os-Montes e Alto Douro”, deve ser cada vez mais dignificada, selectiva que responda também em qualidade às novas exigências dos consumidores. As novas gerações não entendem esta mistura e, sendo difícil a leitura, desmotiva a deslocação a uma próxima visita. Em Oeiras o local era “apertado”, não deixando espaço de aproximação do público ou separação entre os expositores. Lá estavam os bons enchidos e algum bom artesanato misturado com o “artesanato urbano” (conceito que continuo a não entender). Depois o restaurante. Aquele espaço não tem condições em especial a zona de preparação. Eu vi como transpirava a equipa do meu amigo Adérito Gonçalves, do prestigiado restaurante “Geadas” em Bragança. Mas o público (transmontanos na maioria) aderiu muito bem e fazia-se fila para arranjar mesa. Ora significa que há público para estes eventos. Importa cada vez mais abri-los para o grande público, mas dar-lhes mais cuidado da forma de os apresentar.
Depois temos a tradicional “Feira do Folar” promovida pela nossa Casa. Eu não quero criticar a forma, quero é que seja melhor, que se abra mais para o exterior, e que, naturalmente, permita melhor negócio aos expositores. A “Feira do Folar” tem todas as condições para ser um evento de referência em Lisboa e um marco dos nossos produtos na capital. A feira deverá deixar de ser só “para nós”, e se calhar deverá profissionalizar-se.
E para provar que isso é possível, bastava apreciar a presença de Trás-os-Montes e Alto Douro no evento “Peixe em Lisboa”. A empresa “100% Trás-os-Montes” marcou de forma muito visível o que de melhor tem a nossa região, mas com características de plena integração em todo o conjunto.
O que quero transmitir é que devemos, todos, fazer um esforço para acompanhar os novos tempos, sabendo que o aspecto visual, o primeiro, provoca o apetite. A boa embalagem ou roupagem ajudam à “venda” imediata. E depois organizar as festas, feiras e festivais, para o grande público para promovermos a nossa região, que deverá ser o nosso principal objectivo. Claro que também satisfazer as nossas saudades. E fazer dois em um que muitos mais ficarão a ganhar.
BOM APETITE!
© Virgílio Nogueiro Gomes