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(Adriana Freire, Alex Atala e eu)

Conheci o Alex Atala em São Paulo no ano 2000, durante a 6ª edição do evento “Boa Mesa/ Expogourmet 2000”, organizado pela Associação Brasileira da Alta Gastronomia, no qual se apresentava como chefe “inovador”, com uma nova linguagem e novos produtos da cozinha brasileira. Eu fiz uma conferência sobre a importância do açúcar de cana que começou a chegar a Portugal em meados do século XVI, a partir do Brasil.

Recordo-me perfeitamente de começar a ouvir a sua preocupação em relação à identidade brasileira a partir dos produtos locais, e pouco aproveitados. Depois mantive-me atento, e a assistir à sua carreira que leva a língua portuguesa a todo o Mundo. E o melhor exemplo é a classificação do seu restaurante DOM, na lista dos cinquenta melhores do mundo, e o único de língua portuguesa.

Tive a oportunidade e conhecer o restaurante DOM, e de participar no convite que lhe dirigimos para participar em 2007 no Congresso Nacional dos Profissionais de Cozinha e Festival Nacional de Gastronomia de Santarém, onde nos brindou com a sua “Brandade de Bacalhau com Feijão Preto”, e com uma linguagem quase emotiva que deslumbrou a assistência.

Em Portugal é mal conhecida a sua obra escrita. E antes que descreva a sua “actuação” no Peixe em Lisboa, permitam-me que refira três obras importantes na carreira de Alex Atala. O primeiro é o conjunto de dois livros com os títulos “Ler” e “Ver”, cuja primeira edição surge em 2003. O primeiro é de texto que nos leva a entender as memórias e as opções que determinaram a filosofia da sua cozinha. Aí encontramos citações como “Continuo achando maravilhosos os molhos complexos, mas cada vez faço menos isso. Minha marca peculiar acabou por se tornar uma simplicidade muito grande”. Ora aqui está um dos grandes trunfos de Alex Atala. Descomplica, e executa na perfeição as coisas mais simples. Outras expressão que define o seu estilo: “Meu objectivo é traduzir ingredientes para paladares colectivos”. Outro trunfo é a forma exaustiva para “entender” os produtos, e a necessidade de os brasileiros sentirem orgulho na sua culinária. Por fim, sem terminar, para Alex Atala o que o diferencia “é a recriação da memória”, e “tornar concretas suas memórias”. O livro define pois o seu caminho, e termina com um conjunto de receitas que ilustram o seu percurso. O segundo volume “Ver” é um conjunto de fotos intencionais que ilustram os capítulos do primeiro volume e onde João Gabriel de Lima em texto introdutório se questiona se existe culinária brasileira, com resposta positiva, não acontecendo o mesmo quando se questiona sobre a existência da gastronomia brasileira. Em 2008 surgem dois livros: “Escofianas Brasileiras” sobre o qual não vou escrever remetendo-vos para o texto que publiquei na época e que basta clicar sobre o título atrás. É e será a grande obra de Alex Atala. O outro livro foi escrito em parceria com Carlos Alberto Dória e tem como título “Com Unhas, Dentes & Cuca”. É um livro de reflexão e pesquisa sobre a actualidade gastronómica com a visão dos dois autores.

Mas vamos à participação de Alex Atala no Peixe em Lisboa. Auditório cheio que prova a reputação do palestrante. Começa com a sua apresentação, os seus conceitos básicos e descreve a sua busca da identidade dos produtos que caracterizavam uma região, um sítio. Esse conceito não se desvia do que ele chama de “entorno 0 quilómetros”, que me faz lembrar a teoria do Professor Cláudio Torres ao caracterizar a identidade de uma região geograficamente próxima da distância que uma mula se deslocava por dia. Isto para significar as primeiras deslocações dos produtos. Depois fala-nos da sua carreira profissional tendo assumido a primeira vez a função de Chefe de Cozinha em 1994. E afirma que um chefe de cozinha é essencialmente “uma máquina de espremer a sua equipa” no sentido de tirar dela o melhor partido. Aliás esse conceito é bem desenvolvido no livro “Ler”. Continua falando-nos da riqueza e variedade de peixe no Brasil, da recusa das peles e das espinhas, e de como o peixe sofre com a manipulação. Antes de passar à primeira receita que apresentou, ainda para referir que “acto mais inimigo da cozinha é não provar”, situação que também é bem explanada no livro “Ler”, designadamente quando afirma que “O maior controle de qualidade, no entanto, é a boca.” Seguiu-se a demonstração com confecções ligeiras para dar “cozeduras exactas” aos produtos e apresentou um linguado salteado, arroz vermelho, farofa de maracujá, beldroegas, vinagreta com legumes picados e uns pingos de azeite com sumo de maracujá. Como segunda receita tivemos uma “de reflexão” com um robalo (e a explicação que a receita original é com pirarucu, um peixe do rio Amazonas), a cozer num caldo de “capim santo” (erva príncipe), depois colocado sobre um creme de ervilhas tortas e comum apontamento de caril “preto”. Aproveitou esta receita para dissertar sobre a influência do calor sobre os produtos alimentares. Para terceira receita apresentou-nos umas lulinhas que sofrem uma “cozedura” sendo chocalhadas (como fazendo um cocktail no shaker) com água salgada e gelo, em várias edições. Depois utilizou “priprioca” (produto brasileiro que quase substitui em sabor a baunilha) para fazer um creme de beterraba e algas, e também para aromatizar uma vinagreta clássica. Sobre as lulas ainda um concentrado de tangerinas. Depois os aplausos merecidos. Obrigado Alex, e obrigado por levar a língua portuguesa à lista dos cinquenta melhores restaurantes do mundo.

A mim apetece-me sugerir à organização do Peixe em Lisboa, e em particular ao Duarte Calvão, a publicação em livro de todas apresentações neste evento, que seria vendido na edição seguinte.

© Virgílio Nogueiro Gomes

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