Não sei se é velha, ou inoportuna, a discussão sobre a internacionalização da Cozinha Portuguesa. Mas já alguma vez se discutiu, ou programou, a sério? Antes interessa perguntar se há vontade para tal propósito. Assistimos a várias atitudes avulso, sem ritmo, ou sem programação continuada.
Internacionalizar pode ser levar a nossa cozinha para o estrangeiro, ou trazer estrangeiros com o objectivo de conhecerem a nossa cozinha boa para depois a propagandearem lá fora. Ambos os movimentos são bons desde que os agentes se enquadrem em locais, ou padrões, de qualidade e autenticidade da nossa cozinha.
Há uma fórmula excelente que deveria, e poderia, ser um dos elementos fundamentais da promoção gastronómica: restaurantes portugueses no estrangeiro. Não conheço a totalidade dos restaurantes portugueses no Mundo. Mas conheço alguns que fazem um bom trabalho, mas outros desvirtuam, de forma grosseira, as coisas mais simples da nossa culinária.
Este assunto faz-me lembrar as declarações do Primeiro-ministro Italiano quando, há anos, declarava que iria inspeccionar os restaurantes italianos no Mundo que não servissem correctamente a cozinha italiana e, por isso, prestavam um mau serviço à imagem e prestígio de Itália. Claro que a intenção era boa, impossível de a praticar, mas ficou sem consequências como era previsível.
Outro exemplo da vontade de utilizar os restaurantes localizados no estrangeiro, para promoção do país, chega do Brasil. É certo que o objectivo era muito dirigido aos Estados Unidos, possivelmente porque é um país emissor com vários interesses, ou prioridades, no Brasil. A ideia partiu da associação Brasileira de Bares e Restaurantes, ABRASEL, e começou com a deslocação de duzentos e dez empresários a Chicago na maior feira mundial de alimentação fora do lar. Depois desta viagem “faz todo o sentido: divulgar o Brasil tendo como principal instrumento os inúmeros restaurantes que servem cómoda brasileira nos Estados Unidos…, conquistar os turistas em potencial pelo paladar e introduzi-los à cultura e às tradições do nosso país…, inúmeras possibilidades da culinária, riquíssima em sabores, variedade e cheiro.”
O programa iniciou-se em Maio deste ano, e prosseguiu com a deslocação de equipas brasileiras a restaurantes de referência fazerem shows cooking e aproveitando para aperfeiçoar o receituário praticado nesses restaurantes. “Estima-se que, anualmente, cerca de 1,1 milhão de americanos passem pelos restaurantes com cozinha brasileira somente em Chicago.”
Este exemplo serve apenas para ilustrar uma forma como se pode fazer promoção e, em simultâneo, divulgar a gastronomia.
Viajo bastante e já frequentei vários restaurantes portugueses pelo mundo. Recordo com imagem de excelentes promotores da nossa cozinha o “Forcado” em Bruxelas e o “Saudade” em Paris, tendo este último ganho dois anos consecutivos o prémio Marco Pólo, prémio atribuído pela imprensa parisiense ao melhor restaurante estrangeiro em Paris. Recordo ainda o “Marquês de Marialva” em São Paulo, e o “Antiquárius” no Rio de Janeiro, e agora também o “Bela Sintra” em São Paulo.
Antes de iniciar um eventual projecto de utilização dos restaurantes portugueses no estrangeiro, importa reflectir sobre se há vontade de internacionalizar a cozinha portuguesa e o que isso significa.
As maiores dificuldades da linguagem da cozinha portuguesa passam pela ausência de um trabalho da sua sistematização e caracterização. Isto porque a cozinha evoluiu. A cozinha, hoje em dia, é uma actividade dinâmica. Certo que devemos guardar as bases para a consistência desse receituário que é um elemento diferenciador das outras culinárias. Mas temos que aceitar a evolução natural da culinária. A nossa cozinha também tem evoluído. O cuidado a ter é não a descaracterizar. A nossa linguagem culinária parece ser, ainda, complexa mas o que temos é produtos de excepcional qualidade, como o peixe.
Os restaurantes portugueses no estrangeiro são apenas um dos exemplos de como podemos internacionalizar a nossa cozinha. Mas garantindo uma autenticidade e salvaguardados valores básicos da nossa cozinha. Mas como se garante esse rigor? Quais são as receitas fundamentais do nosso reportório e que exemplificam com clareza a nossa cozinha? Fiz atrás um exercício de memória de restaurantes que eram bons exemplos. Alguns já fecharam, outros desviaram as suas características e outros abrandaram as exigências. Salvam-se, naturalmente, ainda alguns bons exemplos.
Dos restaurantes que já visitei no estrangeiro, e cuja prestação não é prestigiante para o nosso País, tentei sempre saber a razão do insucesso da prestação culinária. Muitas vezes nem o empresário, nem os cozinheiros, têm formação de especialidade. Depois constroem as ementas de acordo com receitas que conhecem mas que não sabem executar. Mais grave, ainda, é que depois o mercado não tem os produtos necessários a essas receitas e improvisam, mal, a sua substituição. Posso dar exemplos: “Carne de Porco à Alentejana” onde não há amêijoas ou coentros frescos. “Açorda de Marisco” em países onde não há pão como o nosso. Ainda há pouco tempo sugeri num desses restaurantes que para além da colher que colocam para comer a açorda também colocassem uma palhinha pois a açorda é tão líquida que é fácil sugá-la. Isto um país onde a predominância do pão é tipo “baguette”.
O ideal seria primeiro estudar bem o mercado abastecedor e só depois construir as ementas em função dos produtos que satisfação a boa execução culinária. Mas não precisamos de ir muito longe para assistir a outro tipo de exemplo. Em Madrid, e nós sabemos como os espanhóis gostam de bacalhau, num dos restaurantes de maior prestígio servem o “Bacalhau à Transmontana” com molho Bechamel!
Livros de receitas, há muitos bons e maus. Quais são as boas receitas?
Entendemos quando foi extinta a Comissão Nacional de Gastronomia, fórum muito alargado e que impedia a rápida obtenção de resultados. Ficámos sempre à espera da nomeação de um pequeno grupo que desempenhasse as funções vitais para a defesa da nossa gastronomia que seria a qualificação do receituário. Nunca mais chegou… A anterior Comissão, através do seu Conselho Técnico, ainda identificou vinte e seis receitas para a primeira fase de qualificação. Mas o que se faria a seguir? Caiu-se num vazio. Ora este receituário qualificado seria o elemento fundamental para fornecer aos nossos restaurantes no estrangeiro e, mais importante ainda, para guião de todas as escolas de hotelaria que fizessem formação em cozinha.
Voltando ao começo. A criação de uma rede voluntária de restaurantes portugueses no Mundo seria uma fórmula consistente de promoção da nossa gastronomia. Para o efeito haveria um programa base que contenha os requisitos para adesão à rede. Um dos requisitos seria uma auditoria ao cardápio, e a aceitação de introduzir eventuais correcções para a prestação correcta da nossa culinária. A rede encarregar-se-ia de divulgação dos seus estabelecimentos aderentes e a colocação de uma placa identificadora que seria uma mais valia para o restaurante. Em resumo, criar uma Rede de Diplomacia Económica.
Em simultâneo as nossas Embaixadas e Consulados, e representações de Turismo, passariam a ter locais de garantia de boa prestação culinária e também usar os seus serviços para divulgação do País.
Melhorar o que já existe garante que de futuro se provoquem mais desafios para a internacionalização.
Claro que a participação em grandes eventos no estrangeiro, sem querer copiar a Espanha, ou a vinda a Portugal de vultos importantes da Gastronomia Mundial para participar nos nossos eventos não deve ser descurada. Mas voltarei proximamente a este assunto.
© Virgílio Nogueiro Gomes