Comeres de verão
É frequente pedirem-me sugestões para comer durante o verão. Comer fresco não significa comer frio, poderá significar comer mais leve. E pedem-me de seguida exemplos…
É preciso ter atenção que o prato confecionado, deixá-lo arrefecer não é solução. Muitas das vezes é uma deceção que não deixa acabar o prato. Costumo remeter os perguntadores para as tabelas com calendários que mostram os produtos por meses em que têm melhor sabor que, na maioria dos casos, nos revelam os meses durante os quais a Natureza os produz de forma espontânea. A maioria das pessoas desconhecem essas tabelas ou não as têm disponíveis quando as precisam.
Já me habituei a invocar D. Dinis, e a sua expressão “rosas em janeiro?”, sempre que me sugerem morangos ou cerejas em janeiro… pois têm pouco gosto e tiveram de vir do Chile, ou África do Sul, longas caminhadas que levam a colheita antecipada dos frutos antes de amadurecerem completamente e poderem aguentar as longas viagens. E não me contem a história das estufas…! Lembro-me de em criança nos sentirmos felizes com a Feira da Cantarinhas, 3 de maio, pois apareciam as primeiras cerejas. E logo de seguida apareciam os morangos, aqueles pequenos muito doces…! E muito felizes ficávamos quando chegavam as vindimas e o nosso lanche era uma fatia de pão centeio e um belo cacho de uvas!
Eis sugestões de guias de frutas para o mês de junho: alperces, ameixas, amoras, cerejas, figos, framboesas, mangas, meloas, mirtilos, morangos, nectarinas, pêssegos, não há queixas de variedade. Já reparam nas “Frutas da época” dos restaurantes que são iguais o ano inteiro?
Em 1936 foi publicada no livro Culinária Portuguesa, de OLLEBOMA (António Maria de Oliveira Bello), uma tabela com os peixes e maricos da costa portuguesa e que na sua maioria a informação ainda está atualizada. Sim os peixes também podem variar de sabor ou textura de acordo com a época. Por alguma razão as sardinhas são rainhas nos Santos Populares, a importância da sabedoria popular que não se engana! Para junho o mapa recomenda os seguintes peixes: atum, barbo, cavala, chicharro, carapau, corvina, garoupa, robalo, safio, sardinha e tainha. Muito por onde escolher.
Um exemplo de comida de verão poderá ser a receita que encontrarão aqui, extraída do livro Arte de Bem Comer, por ALINANDA (Aurora Fernandes Jardim Aranha e Alice David Martinho). Mas não é uma receitas destas autoras, a sua proprietária escreveu várias receitas nos espaços livres do livro. É essa receita que vos apresento:
Receita manuscrita
“Salada de Peixe
Tomam-se algumas alfaces; faça-se uns molhinhos de fôlhas miúdas, segando-as muito miúdo como para caldo verde. Ponha-se uma camada de esta alface no fundo da travessa que há-de ir à mesa e em seguida outra de peixe frito ou cozido sem as peles e espinhas (às xxxxxx) e pondo outra camada de ôvo cozido às rodas. Renovam-se as camadas sucessivamente.
Em seguida bate-se muito bem azeite, vinagre e mostarda amarela e deita-se este molho por cima da travessa.
Guarnece-se com azeitonas e os olhinhos da alfaces e serve-se.”
É o tempo das sopas frias: de Melão, Gaspachos e a famosa Vichyssoise. Curiosamente esta receita foi publicada em Lourenço Marques, 1ª edição em 1960, 2ª em 1965, 3ª edição em 1967 e 4ª edição em 1969. Foi esta última edição que consultei para esta crónica e reler a receita de Vichyssoise, famosa por ser uma sopa fria, mas neste livro aparece “Serve-se muito quente…”. Ora consta que terá sido o tipografo que terá achado estranho a palavra fria e a terá substituído por quente. E nas edições seguintes continua “quente”.
Sopas frias (Gaspacho andaluz, Vichyssoise e Abóbora)
Há produtos que não consigo comer durante o tempo quente como por exemplo caça. Também não como alheiras e não entendo muito bem o gosto dos lisboetas por alheiras o ano inteiro. A “educação do gosto”, quer dizer, a forma como aprendemos a comer determina muitas vezes o consumo à mesa de acordo com o que nos habituámos a comer. Em minha casa raramente se comiam alheiras depois da Páscoa. E por uma razão simples: esgotava-se o stock da produção caseira. Não havia a industrialização alheiral… E mais uma vez a forma como se come alheiras em Lisboa é motivo de conversa. Os transmontanos nunca fritam a alheira. Comem a alheira assada no lume da lareira, sobre uma grelha, na frigideira para bem expulsar alguma gordura ou no forno em tabuleiro. Há uns dia entrei numa loja que vende os melhores produtos transmontanos e o empresário fez-me uma pergunta atrevida, mas pertinente: “posso por um cartaz à porta com a mensagem que só vendo alheiras a quem não as fritar?” De facto, fritar a alheira, é guardar no seu interior toda a gordura. Depois servem com batata frita, mais um frito para alimentar o colesterol. Os transmontanos grelham ou salteiam as alheiras para as libertar do excesso de gordura, e depois servem com grelos (cozidos ou salteados) cuja acidez ajuda na mistura com a alheira. Há o hábito também de servir batata cozida. Não fritem a alheira, até pela vossa saúde!
© Virgílio Nogueiro Gomes