Última Ceia

Em 2014, a propósito da produção para o canal de televisão História, escrevi duas crónicas sobre esse episódio que poderão reler clicando em: A Última CeiaA Última Ceia 2. Agora em 2020 voltarei a bordar o assunto, mas com outras informações. Apresento imagens de algumas representações artísticas.

 

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Pintura mural de Leonardo da Vinci no refeitório do Convento de Santa Maria Delle Grazie

A essência mantém-se, a última ceia como a última refeição, é um ato de despedida, e está associada a uma partida. Possivelmente a Última Ceia de Crista será a mais famosa refeição que conhecemos apesar a diminuta de alimentos que dela fizeram parte. Para aquele trabalho li os Evangelhos de S. Mateus, S. Marcos e S. Lucas que se referem especificamente a esta questão. Todos citam o pão e o vinho, a azáfama exterior dos judeus a preparar o cordeiro para a celebração da Páscoa. Há apenas uma citação pouco esclarecedora quando Jesus molha um pedaço de pão para entregar, e identificar, o apóstolo que o havia traído. O pedaço de pão foi entregue a Judas, mas não consegui saber qual seria o molho. Seria de cordeiro assado ou guisado?

Facto muito importante desta refeição resultou na sagração de pão e do vinho. O pão, para mim a maior invenção culinária da humanidade, já desempenhava um papel de alimento transversal, passou agora a adquirir um novo papel. Todos nos lembramos de quando deixávamos cair, soprava-se, beijava-se e ficava novamente pronto para consumo. O pão pode estar presente em permanência na mesa e entrar em todo o receituário de uma refeição: do couvert, passando pelas entradas, sopas, peixes, carnes, queijos e sobremesas.

 

 

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Convento de S. Francisco, Olinda, Brasil

Se olharmos para as obras, especialmente pictóricas, encontramos na maioria as mesas quase vazias. Sempre o pão e o vinho, por vezes carnes mal-esclarecidas, ou um peixe isolado invocando, possivelmente, o símbolo da cristandade desde sempre. Poderia haver uma tentação para a pintura barroca ou muito figurativa, de invenções â mesa. Recordo que os textos dos Evangelhos nada citam a não ser o pão e o vinho.

 

 

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Sé de Évora

Possivelmente a Última Ceia mais conhecida é a pintura mural de Leonardo da Vinci no refeitório do Convento Dominicano de Santa Maria Delle Grazie nas proximidades de Milão. Será que Leonardo da Vinci se inspirou no modo como os frades se alimentavam naquele tempo? Do tempo de Jesus para a Ceia de Leonardo da Vinci tem seguramente um detalhe criativo que é a utilização de pratos. No tempo de Jesus ainda não existiriam. No entanto Sir Keneth Clark (1903-1983), historiador de arte, considerou a Última Ceia como um marco na arte europeia, e achava que se encara a obra mais um trabalho da natureza do que do homem, quase a achando um milagre.

 

 

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Igreja da Madre de Deus, Lisboa

Possivelmente o autor que mais se debruçou sobre a Última Ceia terá sido Ross King (1962), canadense, que publicou a obra “Leonado and The Last Supper”, 2012. Defendendo que Leonardo da Vinci seria vegetariano, e que ele sentia repugnância por comer carne. Os Dominicanos também não comeriam carne, apenas em caso de saúde, e por isso na observação dos comportamentos do refeitório não terá visto carne. Possivelmente Leonardo da Vinci como outros pintores que se seguiram não devem ter lido os Evangelhos que são tão parcos em alimentos para além do pão e do vinho.

 

 

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Igreja de Nossa Senhora do Pilar, Ouro Preto, Brasil

Sempre que me deparo com uma representação da Última Ceia tenho o hábito de fotografar. Uma das mais surpreendentes é um andor processional “Señor de la Sagrada Cena”, de Málaga, Espanha, que é o maior andor mundial, e que sai em procissão na Semana Santa suportado por mais de duas centenas de homens. É uma imagem colossal e pode assistir-se ao seu desfilar, com uma mesa posta (possivelmente a fruta seja um pouco descabida) e Jesus e seu doze Apóstolos. Se tiverem oportunidade de ver (Ytube) reparem na forma delicada como se movem os transportadores do andor.

 

 

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Igreja de S. Francisco, Ouro Preto, Brasil

Não esqueçam que na Páscoa devemos comer folar, doce ou salgado. E ainda todas as especialidades regionais que, felizmente, ainda se confecionam.

© Virgílio Nogueiro Gomes

 

 

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Andor do Señor da la Sagrada Cena, Málaga, Espanha

 

 

 

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Andor do Señor da la Sagrada Cena, Málaga, Espanha